Minha história em Wuhan, a cidade que entrou no mapa

Fonte: Diário do Povo Online    12.02.2020 09h25

Por Verena Veludo Papacidero

Minha história com a China tem mais de 15 anos: eu estudo chinês desde 2005, e morei lá por quatro anos, não foi em nenhuma cidade conhecida para muitos dos meus amigos e familiares brasileiros, não era Pequim, nem Xangai. Mas a partir de janeiro de 2020, isso mudou, todos passaram a conhecer Wuhan, a cidade onde vivi, como epicentro do coronavírus.

Wuhan é a capital da província de Hubei, fica na região central da China. Tem uma população de mais de 11 milhões de habitantes, é a sétima maior cidade da China. Wuhan é um importante centro político, econômico, cultural e educacional, além de ser o principal centro logístico por onde passam vias de transporte ferroviário, rodoviário, aéreo e fluvial conectando-a a outras grandes cidades da China e ao mundo.

Também conhecida como a “Chicago da China”, Wuhan abriga inúmeros lagos, como o Lago Leste, um dos maiores lagos do país e um dos principais pontos turísticos da cidade. Foi neste parque onde passeei com meu marido, Victor Mellão, em algumas ocasiões muito especiais, como quando ele me pediu em noivado numa casa de chá situada nos arredores do parque.

O maior rio da Ásia, o Yangtze, atravessa a cidade. Em boa parte de suas margens, é possível visitar parques arborizados, onde chineses fazem exercícios, apreciando a beleza e a força do rio. Em suas águas limpas e fluidas, passam os navios cargueiros e nadam alguns corajosos chineses com suas boias. Foi em uma prainha às margens do rio que no verão de 2014, passamos um dia inesquecível, tomando sol como se estivéssemos nas praias brasileiras e no cair da tarde, conversando com amigos ao redor de uma fogueira improvisada.

Perdi as contas de quantas vezes fui a Hubu xiang, um quarteirão com vielas cheias de barraquinhas de comidas de rua, próxima de um outro ponto turístico de Wuhan, a ponte número 1 do Rio Yangtze. Depois de experimentar as comidas mais típicas da cidade, como o Regan mian (macarrão com molho de gergelim) e outros deliciosos pratos da gastronomia chinesa, nós andávamos até esta ponte, e ali sentávamos junto com os chineses para desfrutar a brisa do grande Rio Yangtze.

São tantas boas lembranças, tantos amigos e professores queridos que ficaram na Universidade de Hubei. Foi muito difícil deixar a minha vida lá e partir para retornar ao Brasil. Mas mais difícil do que a saudade que frequentemente toma conta do nosso coração, é ver nossos amigos e professores sofrendo com a alarmante propagação do coronavírus.

Pessoas que estão enclausuradas em suas casas há mais de três semanas, eventualmente só podem sair se vestirem máscaras, que acabaram virando artigo de luxo no mercado global. Que todos os dias acordam e vão dormir em busca de uma informação reconfortante, talvez a descoberta da cura do vírus. Que passaram a festividade mais importante de suas vidas longe de suas famílias, ou ainda que junto com seus familiares sem muitos motivos para comemorar.

Porém, o que mais me entristece e indigna é ver como alguns seres humanos podem ser tão ruins a ponto de discriminar pessoas de origem asiática, independente do país – China, Japão, Coreia, Vietnã, Tailândia, etc., e inclusive os próprios brasileiros de ascendência asiática. Será que estas pessoas não sentem nada nem se compadecem diante do sofrimento humano? Será que elas não pensam: e se fosse comigo? Mas estas mesmas pessoas ainda fazem pior: acreditam em qualquer boato ou notícia falsa, e sem raciocinar minimamente compartilham com outras pessoas.

Diante da ignorância destes seres, ainda é possível nos alegrarmos com aqueles que estão enviando mensagens de apoio, expressando publicamente seu amor pela China e pelo povo chinês; ou com aqueles que estão ajudando a China a enfrentar esta batalha tão dura, seja com doações de materiais, seja com a doação de seu próprio esforço, como os profissionais de saúde que sacrificam sua própria vida para atender os doentes nos hospitais, e os pesquisadores que não descansam até entregar respostas.

São estes seres que iluminam o mundo. É no meio de uma tragédia como esta que podemos descobrir a face real das pessoas, e a face que eu vejo do povo chinês é a da solidariedade e da união. Eu desejo que nossos amigos chineses possam sentir somente o sentimento do amor traduzido em palavras e ações ao redor do mundo todo. Que as vibrações mais elevadas possam alcançar a cada um deles, e dar muita força para que possam superar esta dificuldade.

Com amor,

A autora é uma professora local de chinês no Instituto Confúcio na Unesp.

(Web editor: Fátima Fu, editor)

0 comentários

  • Usuário:
  • Comentar:

Wechat

Conta oficial de Wechat da versão em português do Diário do Povo Online

Mais lidos