Por Beatriz Cunha
A China passa por um momento de quarentena, proveniente da cautela do governo chinês em evitar a proliferação do novo coronavírus (2019-nCoV), um vírus que pode ser transmitido entre humanos e pode causar a morte.
Muito tem se especulado no exterior sobre o surto e como está sendo a vida daqueles que estão na China. Devo dizer que está sendo possível viver dentro de uma certa “normalidade”.
No mês de janeiro, um mês após os primeiros relatos da epidemia, a China celebrou o Festival da Primavera, que marca o início de um novo ano lunar. Este ano é o Ano do Rato, o que para alguns leigos do horóscopo chinês pode trazer uma certa aversão, no entanto, o animal simboliza astúcia, e, o Ano do Rato marca o início de um novo ciclo.
Nada melhor do que iniciar o ano e o ciclo de forma astuta, colocando o país focado no que é primordial: saúde. Lamentável que seja sobre a circunstância de um surto mortal, no entanto ainda considero nobre a forma como o país tem respondido no intuito de erradicar a epidemia.
Durante o Festival da Primavera muitos são os chineses e estrangeiros que aproveitam o feriado para visitar familiares em outras cidades, ou viajar a turismo. Confesso que em 8 anos morando na China sempre evitei este feriado, não por não o apreciar, mas porque aprendi a evitar multidões, e, também em vista da cautela especial exigida ao sair com meu filho, hoje com seis anos.
Passei os últimos Festivais da Primavera em Beijing, visitando alguns amigos, levando o pequeno para brincar e até para ver outros soltando fogos nas ruas. Este ano, porém, considerava levá-lo para as celebrações do Parque Chaoyang e Changying, dois parques que estavam com programação especial para a celebração do ano novo chinês.
No entanto, o país nem bem entrou em seu mais importante feriado, que este ano oficialmente se daria do dia 24 ao dia 30 de janeiro, e as notícias de mortes em Wuhan provenientes do coronavírus se seguiram uma atrás da outra, junto à confirmação de que o vírus é contagioso. E no dia 27 de janeiro, o Gabinete Geral do Conselho de Estado da China estendeu o feriado até o dia 2 de fevereiro.
Assim que a população percebeu a potência da doença, que se espalhava pela China e pelo mundo, muitos foram os chineses que cancelaram suas viagens de retorno às suas cidades natais, antes mesmo de o feriado ter sido estendido.
Aqueles que iniciaram o feriado um pouco mais cedo, por volta do dia 20 de janeiro, e garantiram seu retorno antes do início oficial do feriado, por sua vez, atrasaram seu retorno, permanecendo em seus lugares de origem.
Há ainda aqueles que, por motivo de trabalho, tiveram de retornar aos seus postos de trabalho. Voltaram já sob a condição de quarentena, que a priori seria de 2 semanas e se estendeu para três semanas. Tendo assim de trabalhar de casa, para que em caso de estar contaminado com o vírus não venha a proliferá-lo.
No caso de Beijing, a cidade onde moro, aqueles que não saíram da cidade estão autorizados a ir às suas empresa, e mesmo assim algumas empresas realizam o sistema de escala. E sempre tendo o uso da máscara como item obrigatório.
Creches, escolas e universidades suspenderam as aulas por tempo indeterminado na ocasião da extensão de 3 dias do feriado. Algumas das instituições retornaram as aulas no dia 31 de janeiro, mas mantêm o sistema de aulas, ou atividades por meio de mídias sociais, como o WeChat.
Vale lembrar que nos últimos anos, ao menos creches e escolas já vem desenvolvendo atividades para casa que devem ser entregues no grupo do WeChat da classe, como o registro de vídeos dos exercícios para as aulas de inglês (leitura) e de esporte (pular corda e quicar bola de basquete), ou fotos das tarefas de caligrafia, e matemática, por exemplo. Sendo assim, o recurso que já era utilizado anteriormente passou a ser a única forma de contato entre os estudantes, seus professores e colegas de classe durante esta fase de quarentena.
Uma coisa é fato: a China possui uma desenvoltura muito grande no uso das mídias sociais para estudo, trabalho e até para a vida cotidiana, uma vez que pode se contar até com a comodidade de pedir comida (refeição), ou comprar qualquer item que se possa imaginar e receber em um prazo relativamente curto, algumas entregas são realizadas em até menos de 1 hora.
Em vista do Festival da Primavera, muitos dos pedidos on-line aumentaram, e até os lojistas on-line haviam incluído um prazo mais extenso para a entrega das encomendas, uma vez que estariam em menor contingente. Contudo, em vista da quarentena, itens provenientes de outras cidades estão com suas entregas suspensas. Mesmo assim outras delas continuam sendo realizadas, numa demora fora do normal para os padrões da China.
Felizmente o mercado local, que passou a funcionar com horário reduzido, ainda continua sendo abastecido normalmente, e é fácil encontrar qualquer item que se queira, até mesmo manteiga, um item que não é da tradição chinesa.
Tem sido um grande desafio o acúmulo de caixas de papelão dentro de casa, provenientes das encomendas realizadas desde antes do feriado e que vem sendo entregues mesmo no período de quarentena. É que tanto os catadores de lixo reciclável, quanto os terminais de coleta locais automáticas interromperam suas atividades. E os terminais ficaram lotados já nos primeiros dias do feriado.
Outro grande desafio tem sido entreter o pequeno de seis anos, sem que se passe muito tempo na frente da televisão, e sem repetir inúmeras vezes o mesmo filme do Jackie Chan. Ao menos entre um filme e outro, as caixas de papelão viram aviões, carrinhos e muitas outras coisas mais.
Do meu ponto de vista, o período de quarentena se iniciou numa época em que as pessoas já estavam preparadas para permanecer mais tempo em suas casas, estando também abastecidas para pelo menos uma semana, uma vez que em meio ao Festival da Primavera muitos são os estabelecimentos que interrompem suas atividades.
Além do temor, que cresce juntamente com os números apresentados no relatório de contaminados e mortos pelo novo coronavírus, o panorama atual são ruas vazias, lojas fechadas, mercados fechando às 18hs, bancos fazendo medição da temperatura corporal na entrada, estabelecimentos comerciais com cartazes convidando à todos que entrem com suas máscaras, e, entregadores, funcionários, prestadores de serviços e cidadãos comuns mascarados.
Todos adotando ao máximo as medidas preventivas.