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Ano Novo... novas rotinas: relato de uma experiência entre Beijing e Jinzhong na chegada do coronavírus

Fonte: Diário do Povo Online    05.02.2020 16h17

Por Marcos Mendes

O ano de 2020 começou de forma abrupta para a China com as notícias de que um novo vírus se espalhava pela cidade de Wuhan. O coronavírus não poderia ter chegado em pior altura: a época do Ano Novo Chinês é sinónima de férias e de uma gigantesca migração onde milhões de pessoas se deslocam dos grandes centros urbanos para as suas terras natais com o objetivo de se reencontrarem com a sua família. Sendo a minha companheira chinesa e eu estando a trabalhar na China, acabo por fazer parte desta grande migração.

O coronavírus tem vindo a afetar gradualmente a vida das pessoas na China. Com o aumento do número de infetados também foram gradualmente impostas limitações e restrições para tentar conter o surto. Deixo aqui um pequeno testemunho do meu dia-a-dia e como este tem vindo a alterar-se com a evolução da gravidade da situação. No dia 22 de janeiro, 3 dias antes do Ano Novo Chinês, eu e a família da minha companheira decidimos voltar para a terra natal do seu pai de automóvel. De Pequim a Jinzhong, uma cidade da província de Shanxi, são cerca de 520 quilómetros, 7 horas de viagem, portanto fizemos várias paragens em estações de serviço pelo caminho. Apesar de já existir notícias do surto e de como ele era grave, e de a minha família já estar a usar máscara para prevenção, ainda muitas pessoas que fomos encontrando pelas estações não as usavam, possivelmente acreditando que num lugar tão longínquo do epicentro seria impossível ocorrer uma infeção. Nos dias seguintes, em Jinzhong, tornou-se mais frequente ver pessoas a andar com máscara na rua do que sem máscara. Numa altura que seria de festa e de passeio, nas ruas era raro ver outras pessoas: a feira do Ano Novo tinha sido cancelada como medida preventiva.

Sempre que saía de casa colocava a máscara e sempre que voltava a primeira coisa a fazer era lavar bem as mãos. Nos dois jantares de família que foram feitos em restaurantes, tomou-se cuidado que geralmente não existe: à entrada de um dos restaurantes houve medição de temperatura e em ambos não foram usados os pauzinhos individuais para tirar a comida das travessas (como é comum fazer), mas sim cada travessa tinha o seu par, tentando assim evitar qualquer possível contágio. O ambiente nos jantares era de festa, mas também de alguma reticência perante a possibilidade de contágio.

Com a notícia de que a cidade de Wuhan tinha entrado em quarentena e de que o serviço de autocarros interprovincial de e para Pequim tinha sido suspenso no dia 26 de janeiro, a família da minha companheira começou a recear que fossem fechadas as ligações rodoviárias para Pequim e, por isso, decidimos encurtar a nossa estadia em Jinzhong e voltar para Pequim no dia 29.

Ao contrário da ida, no regresso, as estações de serviço encontravam-se com um ambiente mais pesado, com menos pessoas, todas a usar máscara, e alguns dos serviços, tais como restaurantes, encerrados.

Na fronteira de cada província que passamos encontramos checkpoints estabelecidos pelas autoridades para medir a temperatura dos viajantes. Após a chegada a Pequim, fomos ao supermercado mais próximo de casa para fazer compras, mas verificámos que a compra de legumes como mantimentos para vários dias por parte dos habitantes aliada ao facto de que muitos agricultores estarem de férias tinham levado à rutura do stock de vegetais do supermercado. Todavia, fomos a um outro, um pouco mais longe onde todo o serviço se encontrava a funcionar normalmente.

Pequim mudou com o vírus. Apesar de haver menos pessoas em Pequim durante esta época devido ao Ano Novo Chinês, atualmente há menos movimento do que o normal nas ruas, menos carros e menos pessoas. E quando as há, todas usam máscara. Vários espaços de entretenimento, tais como bares, cinemas, karaoke, estão encerrados. No entanto isso não significa que a cidade se encontra deserta: à noite, basta espreitar pela janela para se poder ver centenas de pontos luminosos nas faces dos prédios.

Nos milhares de condomínios da cidade foram aplicadas medidas de prevenção. No meu, um dos dois portões encontra-se fechado e no outro há sempre porteiros a medir a temperatura de quem entra e a registar quem voltou das férias para Pequim. Serviços que são muito utilizados na China como entrega ao domicílio de comida e encomendas já não são realmente “ao domicílio”, mas sim à entrada do condomínio. Em outros condomínios pode-se ver embalagens com lenços de papel nos elevadores para pressionar os botões dos andares.

A nível profissional, o vírus também afetou o país. O governo decidiu acrescentar mais uma semana de férias e várias escolas e universidade decidiram adiar indefinidamente o começo do novo semestre, pedindo aos alunos para não regressarem antecipadamente aos dormitórios. No entanto, o ensino não para: várias universidades e outras instituições decidiram facilitar aulas através de plataformas online enquanto existe o surto, evitando a congelação do semestre. Professores e funcionários das universidades encontram-se durante as suas férias a trabalhar a partir de casa para coordenar o planeamento e a realização das suas aulas online.

A resposta da China ao vírus tem sido como um braço de ferro. Apesar de, inicialmente, talvez se pudesse ter feito um pouco mais, atualmente toda a China, com todos os seus habitantes, está a lutar ativamente contra o vírus. Os media têm espalhado por toda a população informação como se prevenir do vírus eficazmente.

Um pequeno exemplo invulgar que encontrei desta divulgação de informação, foi o ecrã de bloqueio do Windows do meu computador: neste surgiram subitamente várias celebridades chinesas a usarem máscaras e a pedir para as pessoas usarem máscara se saíssem à rua. Portanto, a comunidade encontra-se solidária e informada: as pessoas saem menos à rua, evitam multidões e andam sempre com máscara. Há campanhas de solidariedade para financiar uma cura e para ajudar os hospitais. Todos os dias se vê notícias sobre médicos e enfermeiros que lutam sem descanso contra o vírus.

Apesar do coronavírus ter infetado mais de 20 000 de pessoas e ter já vitimado centenas, já recuperaram quase outras mil. Acredito que, com todas as medidas que a China tem imposto para controlar este surto, este problema seja resolvido rapidamente.

Por fim desejo um abraço de solidariedade e de força para todos os que se encontram a lutar ativamente contra este vírus. Força Wuhan, Força China.

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