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Últimos 50 anos servem de guia para o futuro das relações China-Europa

Fonte: Diário do Povo Online    06.05.2025 13h57

Por Arancha Gonzalez

Em 6 de maio de 1975, o então vice-presidente da Comissão Europeia, Christopher Soames, e o então premiê chinês, Zhou Enlai, inauguraram o primeiro capítulo das relações diplomáticas entre a então Comunidade Econômica Europeia e a China.

Esta era uma Europa diferente: menor — com apenas nove Estados-membros — e ainda focada principalmente em questões econômicas. Era, portanto, uma "comunidade econômica" e não a união que seria estabelecida em 1993. Era também uma China diferente: com uma economia com metade do tamanho da francesa. Estava apenas começando a se abrir, em um processo que resultaria em uma transformação econômica sem precedentes. E o pano de fundo para isso era um mundo mergulhado em uma Guerra Fria de rivalidade geopolítica e conflito ideológico entre os Estados Unidos e a União Soviética.

Durante a visita de Soames à China em 1975, a China expressou seu apoio a uma Europa forte e unida como contribuição vital para um mundo pacífico e se comprometeu a conduzir suas futuras relações econômicas internacionais com espírito de diálogo e cooperação, e não de confronto.

A visita abriu caminho para o primeiro acordo comercial, concluído em 1978, que logo foi substituído por um acordo comercial e de cooperação mais abrangente, concluído em 1985. Com a China totalmente engajada na reforma e abertura, sob a liderança de Deng Xiaoping, o acordo, que abrangia agricultura e desenvolvimento rural, cooperação científica e industrial, energia, questões ambientais e treinamento vocacional, visava promover o crescimento e a modernização da economia chinesa, sendo mutuamente vantajoso.

A mensagem de Deng ao então presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, durante sua primeira visita a Beijing, em julho de 1986, foi que a China via na Europa um importante parceiro econômico e uma fonte de cooperação para o desenvolvimento, mas também que uma Europa unida poderia ser um importante contrapeso à hegemonia. Esta tem sido uma mensagem consistente da China até hoje.

O ano de 2001 marcou um momento importante, com a China se tornando membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma aspiração apoiada pela União Europeia, que viu aí o meio de ancorar as reformas chinesas em uma estrutura multilateral, bem como um meio de orientar, em vez de pressionar, a economia chinesa, e um catalisador para a continuidade das reformas na economia chinesa rumo a uma igualdade de condições global.

Tanto a China quanto a UE trabalharam juntas para promover o multilateralismo em 2015, com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para erradicar a pobreza extrema no mundo até 2030 e do Acordo de Paris, para enfrentar a ameaça coletiva mais urgente à humanidade. Sim, o nível de ambição de ambas em relação a esses acordos diferia, mas o fato mais importante permanece: a cooperação e o compromisso tornaram o multilateralismo possível.

Com a celebração do seu 50º aniversário, muita coisa mudou. O comércio bilateral cresceu exponencialmente, com os dois países negociando mais em um dia do que em todo o ano de 1975. O investimento cresceu em ambas as direções. A China aprimorou significativamente suas capacidades tecnológicas e de inovação, muitas vezes superando as da UE. A Ásia se tornou o motor do comércio global.

A China e a Europa têm visões diferentes sobre questões como "concorrência desleal", "desequilíbrios econômicos", ou "direitos humanos", Ucrânia e outras questões externas e de segurança. O ambiente internacional favorável das últimas três décadas deu também lugar a uma rivalidade entre os EUA e China.

Em um mundo onde muitos veem a cooperação como uma restrição, onde as violações do direito internacional, incluindo as fronteiras acordadas internacionalmente, estão aumentando, e alguns consideram o comércio aberto como um jogo de soma zero, pode ser vantajoso revisitar os fundamentos originais da cooperação bilateral em busca de inspiração para construir uma relação mais funcional entre a União Europeia e a China.

Ambas devem fazer isso em função de seus próprios interesses, e o ponto de partida deve ser o reconhecimento das diferenças existentes entre ambas, econômica e politicamente.

"Adoçar" a situação não funcionará. O objetivo deve passar por administrar as diferenças, começando por evitar aumentá-las. Mas ignorar um ao outro ou mesmo embarcar em um processo de desvinculação também não funcionará. O que importa agora é colocar em prática o que se prega.

Há espaço para desenvolver pontos em comum, incluindo o valor de mercados abertos e comércio justo para suas economias, a importância de ser mais generoso com os países mais pobres e vulneráveis ao redor do mundo, bem como a necessidade de regras de comércio internacional modernizadas, para garantir condições equitativas em nível global.

Ambas as partes têm interesse em promover soluções justas e duradouras para conflitos, como os da Ucrânia ou da Palestina. Ambas têm muito em comum na aceleração do combate às mudanças climáticas. Ambas têm a oportunidade de ajudar a estabelecer uma estrutura internacional para a ética da inteligência artificial ou de promover a cooperação científica.

Hoje, como há 50 anos, uma Europa unida continua sendo uma força do bem global, um lastro em um mundo polarizado. E o compromisso da China com a cooperação e o diálogo, e não com o confronto, continua sendo vital para a estabilidade global. Ambas devem estruturar suas relações com base no entendimento de que haverá áreas de grande diferença, outras de forte concorrência e muitas de colaboração honesta. Ambas são indispensáveis para uma ordem multilateral funcional. A alternativa é um mundo de conflito e caos, o que não é do interesse de ninguém.

Nota: o autor é ex-ministro das Relações Exteriores, União Europeia e Cooperação da Espanha e reitor da Escola de Relações Internacionais de Paris, Sciences Po. O texto original foi publicado no site do China Daily

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