Vamos ser claros desde o início. De uma perspetiva científica, a teoria do vazamento de laboratório não é realmente uma "teoria". Em uma conversa casual, uma teoria pode ser uma qualquer ideia incompleta que alguém avança por qualquer motivo; mas quando o termo é usado em contextos científicos e diplomáticos, especialmente em meio a uma pandemia global, é necessário outro tipo de rigor.
Isso porque o termo “teoria” é um termo científico, que transmite uma ideia baseada em princípios fundamentados em fatos e no raciocínio científico. No entanto, as afirmações avançadas por algumas personalidades no Ocidente, incluindo nas administrações Trump e Biden, de que a Covid-19 é potencialmente ou, pior, definitivamente, associada a uma fuga intencional de um laboratório em Wuhan, China, nunca foram baseadas na ciência.
Em vez disso, o desejo de demonizar a China, especialmente o sistema político chinês, com claras implicações racistas, sempre foi a principal motivação na base de tais narrativas. Na verdade, não se deve nem mesmo chamar a isso de "hipótese de vazamento de laboratório", já que a palavra "hipótese" compreende também uma conotação de pseudociência.
Talvez o termo apropriado aqui seja "supor", o que significa propor que algo é verdadeiro sem provas, e a ciência real pode demonstrar a seu tempo que a melhor maneira de descrever essas narrativas é uma "mentira descarada".
O que diz a ciência?
Compreender a origem de um vírus é importante por razões científicas. Saber como e onde ele começou pode fornecer informações importantes sobre contenção e recuperação. E, claramente, a ciência deve ter um papel prevalente a desempenhar quando se trata de aprender como lidar com um surto.
Na verdade, a experiência demonstra que quando a ciência é aplicada, os impactos negativos são minimizados. Por outro lado, onde quer que a ciência tenha sido politizada de maneiras contrárias aos fatos básicos, o dano foi maximizado.
A mentira do vazamento de laboratório teve início com a administração Trump. Antes do surto, narrativas massivas anti-China já haviam sido elaboradas pelo governo dos EUA, que se reposicionou para mais uma estratégia de contenção. Sabemos pelo livro do jornalista americano Bob Woodward que Donald Trump alegadamente mentiu sobre o vírus desde o início, qualificando-o de "vírus chinês" e promovendo a mentira do vazamento de laboratório, sugerindo que o governo chinês pode ter deliberadamente liberado o vírus para atacar o Casa Branca e o povo americano.
Esta linha narrativa foi tecida, juntamente com outras, incluindo as acusações ridículas e infundadas de genocídio na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, bem como o boato sobre a tecnologia chinesa, a ideia de que a China roubou empregos americanos e que a China era a principal manipuladora de moeda do mundo e assim por diante, convencendo muitos americanos e outras nacionalidades de que o governo chinês estava na raiz de muitos problemas americanos e pretendia “dominar o mundo”.
A única verdade na história manipulada pelos EUA é que existe um laboratório em Wuhan, que, na verdade, contrata pesquisadores internacionais e é financiado pelo governo dos EUA. Portanto, conforme afirmado pelo governo chinês e por cientistas estrangeiros que ali trabalham, não é um laboratório militar secreto que não serve para nada. Tal é reconhecido tacitamente por alguns funcionários do governo dos EUA.
Muitos acreditam que o vírus originou em Wuhan no final de 2019, alegando que a cidade foi onde as pessoas foram afetadas pelo surto pela primeira vez. Mas, na verdade, não sabemos onde o vírus começou ou quando.
De acordo com um estudo recente do Lancet, a principal revista científica de saúde pública, o vírus estava presente na Itália desde o verão de 2019. Também sabemos que a Itália foi o país europeu mais atingido inicialmente. É possível que o vírus tenha começado na Itália, assim como é possível que tenha começado em outro lugar.
Outro estudo sugere que o vírus foi possivelmente transmitido dos morcegos para humanos no sudeste da Ásia. Como alguns cientistas especulam, os morcegos se moveram mais para o norte devido ao aquecimento global, sendo que os novos habitats e as mudanças de temperatura encorajaram mutações virais.
Nesse interregno, especialistas em virologia, incluindo importantes cientistas estrangeiros que trabalharam com o laboratório em Wuhan, indicam a extrema improbabilidade da Covid-19 ser proveniente de um laboratório. Primeiro, esse tipo de pesquisa não estava em andamento. Em segundo lugar, não houve falhas de contenção. Terceiro, é incrivelmente difícil projetar esse tipo de surto, talvez até mesmo impossível.
Pode ser que a ciência nunca determine a origem do coronavírus. Isso será lamentável tanto para a ciência quanto para a China, já que a mentira do laboratório permanecerá "verdadeira" para muitos. Mas o simples fato é que a ciência raramente é capaz de identificar as origens de casos como este.
Por exemplo, os cientistas ainda não conseguem provar de forma conclusiva quando e onde o HIV se originou, apesar de décadas de pesquisa e bilhões de dólares gastos. O que sabemos é que muitas narrativas políticas sobre o HIV que proliferaram no início dos anos 1980 e que levaram à discriminação contra homossexuais e africanos, comprometendo respostas eficazes de saúde pública e contribuindo para mortes evitáveis, ainda são aceitas como verdade por muitos. Mesmo assim, os cientistas indicam que o HIV estava em circulação no mundo todo muito antes que o americano "paciente zero" Gaétan Dugas, um comissário de bordo homossexual de rotas internacionais, fosse diagnosticado com a doença.
Dada a história do HIV, a mentira do vazamento de laboratório sobre a Covid-19 pode persistir, infelizmente, mesmo que a ciência seja capaz de provar o contrário. Isso se deve em parte porque muitos já acreditam nisso categoricamente, mas também porque muitos daqueles que acreditam não acreditam na ciência.
No final, isso não vai servir aos interesses de ninguém, mas apenas contribuir para mais miséria e desinformação. Isso geralmente se aplica a todas as formas de mentira, especialmente quando as mentiras são promovidas como ciência durante uma pandemia.