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Visita de Lula sinaliza "intenção de recuperar tempo perdido" nas relações Brasil-China, diz pesquisadora brasileira

Fonte: Diário do Povo Online    18.04.2023 15h00

Nota: A brasileira Karin Costa Vazquez, pesquisadora sênior do think-tank Center for China and Globalization (China) e professora na O.P. Jindal Global University (Índia), concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário do Povo Online, abordando a visita de Estado do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à China. Nas suas palavras, para além de normalizar as relações, a visita também contribuiu para que o Brasil, hoje, veja a China como uma parceira nas transformações que o país quer empreender.

Diário do Povo Online: Na sua opinião qual é o aspecto mais notável do consenso alcançado na reunião entre os líderes da China e do Brasil? O que significou esse encontro?

A normalização das relações bilaterais. Apesar do comércio ter avançado nos últimos quatro anos, mais poderia ter sido feito para cultivar e aprofundar a parceria de amplo escopo entre o Brasil e a China. A assinatura de 15 acordos em temas desde ciência e tecnologia até cooperação cultural durante a visita, sinaliza a intenção das duas partes de recuperar o tempo perdido e aproveitar todo o potencial que essa parceria estratégica pode oferecer aos dois países.

É preciso, agora, sustentar e avançar esses ganhos por meio de interações mais frequentes e regulares entre os diferentes atores da sociedade e destes com os respectivos governos na construção, validação e implementação de iniciativas conjuntas entre os dois países.

Para além de normalizar as relações, a visita também contribuiu para que o Brasil, hoje, veja a China como uma parceira nas transformações que o país quer empreender. Entre elas está a reindustrialização em bases mais sustentáveis e inclusivas. Essa é uma mudança significativa da narrativa brasileira sobre a China, que até então tinha o país como um competidor da indústria nacional. Competição existe e continuará existindo em setores da economia brasileira. Mas hoje se consegue enxergar além.

A visita também contribuiu para sedimentar o entendimento de que a relação entre o Brasil e a China vai além da dimensão bilateral. Os dois países têm um papel crucial nos espaços globais de decisão e são peça-chave na busca de soluções para alguns dos maiores desafios do nosso tempo, como a mudança do clima, a paz e a segurança, a transição energética e a erradicação da fome e da pobreza.

DPO: Como grande amigo da China, esta é a terceira visita de Lula ao país. Diante de mudanças inéditas neste século, de que forma este encontro promoverá novos avanços na cooperação Brasil-China?

O Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a estabelecer uma parceria estratégica com a China. Foi, também, o primeiro país latino-americano a estabelecer uma parceria estratégica abrangente com a China e a ter um volume de comércio bilateral de mais de US$ 100 bilhões. A China, por sua vez, é um importante investidor em diferentes indústrias brasileiras, com um estoque de mais de US$ 70 bilhões.

Mas a visita de Lula não se limita a comércio e investimentos. As transformações que o Brasil precisa empreender podem ser alavancadas por meio da parceria com a China. Para a China, a visita de Lula acontece logo após as Duas Sessões e sinaliza a importância do Brasil na construção da Nova Era da China.

DPO: Em Shanghai, Lula também visitou o centro de pesquisa da Huawei e se encontrou com o presidente da BYD, a maior fabricante de carros elétricos da China. As duas marcas chinesas estiveram envolvidas em muitos problemas no mundo nos últimos anos, e alguns países continuaram a sancioná-las para suprimir o desenvolvimento da ciência e tecnologia chinesas. Que mensagem a visita de Lula dá nesse aspecto? Em particular qual é a perspectiva para a futura cooperação entre a China e o Brasil nos campos de energia sustentável e alta tecnologia?

A visita de Lula à Huawei indica a intenção do governo brasileiro em promover uma revolução digital no país e que o Brasil buscará as melhores parcerias para alcançar esse objetivo. As perspectivas para a cooperação entre a China e o Brasil nos campos de energia sustentável e alta tecnologia são promissoras. Sustentabilidade, tecnologia e inovação estão no centro do 14º Plano Quinquenal da China e são centrais para o futuro da economia brasileira. Uma relação ganha-ganha depende necessariamente de uma agenda de cooperação robusta nessas três frentes. Essa agenda pode considerar temas como a transferência e desenvolvimento conjunto de tecnologias verdes; os investimentos em setores com maior potencial de geração de emprego, menor emissão de gases do efeito estufa, integração com novas cadeias globais de valor; e o desenvolvimento do mercado de crédito de carbono nos dois países.

DPO: A China e o Brasil enfatizaram a implementação da"Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável" que também é tema atual da moda internacional. A China pode se tornar parceira do Brasil no processo de industrialização, num modelo inclusivo sustentável e verde. O que pensa disto?

Longe da lógica de soma-zero da crescente tensão EUA-China, Lula e Xi Jinping coincidem na visão de uma ordem global baseada em uma nova forma de progresso humano, em que a pobreza não pode existir, a prosperidade é comum e a harmonia com a natureza é crucial. A liderança de Lula e Xi dá aos dois países a oportunidade de buscar soluções conjuntas e financiamento para acelerar o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável no mundo e a industrialização em um modelo inclusivo sustentável e verde claramente se insere nesse processo.

Outro exemplo é o acordo de cooperação em assuntos sociais que os dois líderes assinaram durante a visita e o início do diálogo para a criação de uma aliança global contra a fome e a pobreza no mundo. A aliança baseia-se na experiência do Brasil e da China no combate à pobreza, na importância da agricultura brasileira para a segurança alimentar da China e na necessidade de redesenhar os sistemas alimentares para garantir a sustentabilidade e a resiliência no acesso aos alimentos em todo o mundo. Como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff pode posicionar o banco como uma plataforma de ideias, parcerias e soluções do Sul Global para o combate à pobreza e às desigualdades, bem como em promover um desenvolvimento compartilhado que enseje um mundo que seja mais próspero e sustentável para todos.

DPO: Durante a viagem de Lula, ele também pediu aos países do BRICS que façam acordos em suas próprias moedas. Quais os benefícios de negociar usando a própria moeda?

Segundo estimativas, o mecanismo Brasil-China de pagamento em moedas locais pode reduzir o custo das transações entre os dois países em até US$ 1,5 bilhão em 10 anos. O mecanismo poderia, ainda, incentivar empresas brasileiras de médio porte que não têm acesso a linhas de crédito em dólar americano a acessar o mercado chinês e aumentar o acesso a financiamento "overnight". Tudo isso seria muito bem-vindo para impulsionar ainda mais o comércio e os investimentos entre o Brasil e a China - caso as empresas de ambos os lados optem por usar esse instrumento.

Outros benefícios incluem a diminuição da exposição cambial do Brasil. Embora o Brasil não tenha uma economia dolarizada como a de outros países da América Latina, a dívida externa do país é denominada em dólares americanos. Para a China, ajuda a internacionalizar o renminbi e a reformar o sistema financeiro internacional.

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