Lucas Felipe Wosgrau Padilha
Responsabilização: à primeira vista, trata-se do processo de atribuição de deveres de reparação ou sujeição à retaliação futura frente às culpas – intencionais ou não - passadas. A responsabilização, neste sentido, nasce a partir do reconhecimento do erro, da culpa ou do dolo do outro. Atualmente, no Brasil e no mundo, buscam-se responsáveis pelas múltiplas crises causadas pela pandemia global da Covid-19. O candidato número um é a China. São responsáveis o governo chinês, as empresas, universidades e comunidades chinesas ao redor do mundo pela Covid-19?
Há mais de dez anos um chamado global à responsabilidade ecoou pelo mundo. Atenta às necessidades de uma nova era, desde a crise financeira global de 2008, a China propôs reformas na governança do Fundo Monetário Internacional (FMI) e participou da criação de novas instituições financeiras multilaterais como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e o Novo Banco do Desenvolvimento, uma iniciativa lançada em 2013, no Brasil, parte de um esforço conjunto de países com diferenças marcantes entre si – os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Macau enquanto lugar de encontro de civilizações, oferece novas oportunidades por conta das recentes iniciativas de desenvolvimento e diversificação da região Guandong-Hong Kong-Macau. A iniciativa de investimentos trilionários em infraestrutura nomeada “Um Cinturão, Uma Rota” é o exemplo mais eloquente de que a China acredita que a humanidade é uma comunidade de destino compartilhado.
Na crise corrente, as instituições de governança global – como a Organização Mundial da Saúde (OMS) – dependem de apoio e complementação daqueles que as constituem, os Estados Nacionais. É o que faz, corretamente, a China ao apoiar a OMS desde os dias em que a Covid-19 era considerada por grande parte do mundo só um problema chinês. Sem coordenação e cooperação, a recessão econômica, morte e isolamento serão o novo normal. É contra isso que a China, em mais de 88 países por ela ajudados, luta.
Existe uma guerra a ser vencida. As lições da China, enquanto primeiro front, devem ser apreendidas e adaptadas para as realidades locais. Na falta de uma vacina ou tratamento específico, distanciamento social, mas não só: integrar serviços públicos às tecnologias de georreferenciamento e grandes dados possibilitadas pelas redes de 4G e 5G, mobilizar empresas, organizações e a sociedade sob uma governança multinível – das ruas e bairros ao governo central – e, sobretudo, sobriedade, solidariedade e paciência, são armas para a vitória.
De escopo e natureza globais, profundo impacto geracional e consequências econômicas duradouras, principalmente para países em desenvolvimento, a Covid-19 é responsabilidade de todos os países. Não há, no entanto, nenhum país tão responsabilizado quanto a China. É uma escolha própria, soberana, que demonstra seu compromisso global. Responsabilização que não é fruto das exigências dos tribunais midiáticos desinformados e paranoicos montados ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Cabe aos governos e sociedades não ceder ao desespero do momento ou aos oportunismos patrocinados por aqueles que negam a ciência e carecem de empatia com sua própria gente.
Responsabilizar-se pela Covid-19 é, longe de casa, arriscar a própria vida para ajudar o estrangeiro – atitude exemplar de médicos e enfermeiros chineses na Itália, por exemplo. Também é dobrar turnos nas fábricas produzindo equipamentos de proteção pessoal e testes laboratoriais. É valorizar a ciência, entendendo seus limites e tempo. É basear a governança em evidências científicas, mas também em racionalidade e sabedoria reconhecendo erros e acertos. É, ainda, compartilhar informações, dados e talentos sem julgar o destinatário ou dele exigir aliança.
Devem os governadores e prefeitos brasileiros – as primeiras lideranças nas batalhas contra a Covid-19 – convocar e mobilizar cientistas, gestores públicos, funcionários e parceiros privados para que cooperem com a China – e com o resto do mundo – no combate à pandemia deflagrada e à crise econômica que agora se revela. O Brasil possui memória institucional no combate às pandemias do passado, um sistema único de saúde universal e gratuito, território, recursos e talentos para responsabilizar-se pela Covid-19.
Durante à turbulência do presente, o Brasil, um dos mais antigos parceiros estratégicos da China, deve manter o olhar nos interesses de longo prazo, inspirado por sua rica história de política externa independente para que não desista de construir o novo mundo que nasce a partir deste momento histórico. Um mundo em que a China reafirma suas responsabilidades enquanto oferece possibilidades – e sonhos.
(O autor é advogado graduado e pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas. Mestrando em Direito e Sociedade bolsista da Academia Yenching da Universidde de Pequim)