A recente ofensiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil, que combina ameaças comerciais com desafios diretos ao sistema judiciário do país sul-americano, representa um risco à estabilidade democrática e exige uma resposta internacional coordenada para conter a escalada tarifária global, disse à Xinhua Carlos Poggio, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
O especialista, com vasta experiência em política externa dos EUA e da América Latina, explicou em entrevista que a estratégia de Trump tem um caráter político que transcende o comércio. "Há meses, o presidente dos EUA vem usando tarifas como instrumento de pressão, não apenas para negociar vantagens econômicas, mas também para tentar influenciar decisões soberanas de outros países. No caso do Brasil, o ataque é direcionado ao nosso sistema judiciário, em retaliação aos processos que Jair Bolsonaro enfrenta por crimes contra a democracia e o Estado de Direito", observou.
Economicamente, o Brasil tem poder de barganha limitado em relação a Washington. Pouco mais de 10% de suas exportações vão para os Estados Unidos, enquanto apenas 1% das importações americanas vêm do Brasil. Isso dificulta o enfrentamento, de forma isolada, do impacto das tarifas anunciadas por Trump, que no caso do Brasil ultrapassam 35% sobre diversos produtos.
No entanto, Poggio sustentou que o desafio imposto por Washington não é exclusivo do Brasil. "Estamos falando de uma política tarifária que impacta grande parte do mundo. Países como México, Canadá, Coreia do Sul, Japão, África do Sul e até mesmo a União Europeia têm sido ameaçados com tarifas de 25% a 50%, em alguns casos mais altas", explicou.
Diante desse cenário, o acadêmico propõe uma resposta conjunta dos países afetados, capaz de impor custos reais à economia americana e forçar negociações. "Se Brasil, México, Canadá, Coreia do Sul e outros Estados agirem em conjunto e aplicarem tarifas retaliatórias destinadas a afetar setores estratégicos, a pressão política interna sobre Trump aumentará. Os Estados Unidos poderiam ameaçar medidas ainda mais extremas num primeiro momento, mas, cedo ou tarde, teriam que encontrar uma saída sem serem humilhados diante de seu próprio eleitorado", explicou.
Para Poggio, o que está em curso é uma "guerra comercial global" promovida pela Casa Branca. Embora a Organização Mundial do Comércio (OMC) tenha perdido sua capacidade de mediação, uma coalizão de países poderia atuar como contrapeso, impedindo que a política unilateral dos EUA se torne a norma.
"Não se trata de intensificar o conflito, mas sim de demonstrar que a imposição de tarifas injustificadas tem um custo elevado. Se regras razoáveis para o comércio internacional forem restabelecidas, todos os países se beneficiam e evita-se um impacto maior no crescimento global, que já está sendo afetado pela incerteza", afirmou. Segundo estudos citados pelo especialista, o prolongamento dessa guerra comercial pode reduzir significativamente o Produto Interno Bruto (PIB) global e desestimular investimentos em diversos setores estratégicos.
Além das consequências econômicas, Poggio insistiu que a verdadeira ameaça ao Brasil é política. Em sua opinião, os ataques de Trump às decisões do sistema judiciário brasileiro buscam minar a credibilidade de suas instituições e fortalecer a narrativa de que Bolsonaro e seus aliados estão sendo perseguidos.
"A pressão internacional não pode ser usada como arma para enfraquecer nossas instituições democráticas. A defesa da soberania passa a ser abraçada por diferentes setores políticos no Brasil, pois se percebe que o que está em jogo não é apenas uma disputa comercial, mas a integridade do sistema democrático", afirmou.
"Atuando sozinhos, somos pequenos em comparação aos Estados Unidos. Unidos, podemos não apenas resistir às tarifas, mas também enviar uma mensagem clara: as decisões soberanas de nossos sistemas judiciário e político não são moeda de troca em uma negociação comercial. A defesa da democracia deve ser um limite inegociável", concluiu Poggio.