O combate ao vírus e a organização social chinesa

Fonte: Diário do Povo Online    17.02.2020 10h45

Hélio Rocha

Quando se fala no sucesso com que a China está combatendo a epidemia do chamado “coronavírus”, que já vitimou quase 1500 pessoas e contaminou outras 30 mil, mas mostra baixa taxa relativa de letalidade e quase nula dispersão para além de seu foco na província de Hubei, trata-se do quão fundamentais são os sistemas públicos de saúde, bem como da importância da organização do Estado para ação em momentos de crise. Hoje, reconhecidamente, a China é um dos países mais aptos a vencer epidemias e endemias, em grande parte devido ao modelo de organização do Estado, com o qual o Brasil poderia aprender.

Aqui em terras sul-americanas os sistemas públicos de saúde sofrem as dificuldades dos países pobres. O Brasil até possui um dos sistemas públicos de saúde mais avançados do continente, talvez perdendo apenas para Canadá e para cubano, este último implementado pelo Partido Comunista nos anos 1960 e talvez o mais antigo e eficaz da região. Mas tem dificuldades com a sua implantação num país grande e ainda de economia emergente.

Portanto, dada o desafio local em atender com qualidade e gratuidade aos 560 milhões de latinoamericanos, por aqui os esforços coletivos para combater problemas de saúde, desde o saneamento urbano até surtos de doenças tropicais, têm muitos obstáculos. Em 2018, por exemplo, sem nenhuma mutação grave no vírus da gripe, H1N1, a doença matou 839 pessoas em todo o Brasil. Isso mostra a baixa letalidade do coronavírus, se comparada ao tamanho da população chinesa e ao desconhecimento prévio de suas causas e efeitos. O que vem retardando a propagação do vírus e mantendo-o praticamente confinado à província de Hubei são os esforços e a eficácia do Governo chinês e de seu sistema público, capazes de erguer um novo hospital em dez dias, interromper a circulação de voos e trens, manter a população em casa e, ainda assim, não frear substancialmente a economia.

Portanto, por que, hoje, isto seria impossível na América Latina e, quiçá, em todo o ocidente? Porque em momentos em que são necessárias a união, a colaboração e o tão caro e lapidado conceito de “harmonia”, fundamento da cultura chinesa, o sistema com que se organiza a sociedade ocidental ainda não permite tais esforços coletivos. Não com o mesmo resultado. O conceito de indivíduo ainda é o sobressalente em nossos países, o que molda um tipo de democracia em que diferentes pontos de vista ainda não são tão capazes de dialogar e colaborar em favor do patriotismo e do bem-estar do povo. Diferente do que ocorre com a China e suas 56 etnias e sete partidos políticos que atuam harmonicamente em colaboração com o Partido Comunista Chinês.

Voltando ao Brasil, nosso sistema público, no papel, prevê a ação governamental em procedimentos avançados como transplantes de órgãos, hemodiálise e tratamento para AIDS. Também em campanhas de conscientização para vacinação e ações preventivas contra endemias tropicais (dengue, malária, febre amarela). Entretanto, ano após ano esses problemas retornam ao noticiário até que as questões acima sejam superadas.

Diferentemente, o modo de organização chinês, nascido de uma cultura de 5 mil anos, mas modernizado pela implantação do comunismo pelo presidente Mao e pela reforma econômica do líder Deng Xiaoping em 1978, permite que a democracia sufragada inicialmente nos distritos urbanos e comunas rurais, e lapidada nas Assembleias até à Assembleia Nacional do Povo e o Poder Central, tenha por consequência um Estado mais unido e harmônico, conforme argumenta o próprio presidente Xi em sua obra “A Governança da China”. Vislumbrando, inclusive, para todo o mundo um modelo mais coeso e menos fragmentado de democracia, reduzindo suas contradições sem perder o que a democracia tem de mais caro: a soberania popular.

O povo é soberano quando é capaz de se esforçar coletivamente para combater uma epidemia, ou, tomando pelo exemplo de nossos vizinhos, quando, com muito poucos recursos, embargado economicamente por todo o ocidente, consegue construir e usufruir de uma das saúdes públicas mais avançadas do mundo, caso da democracia cubana, muito similar à chinesa. A questão dos modelos está amalgamada no sucesso com que a China vem enfrentando o coronavírus, que não se mede em números somente, mas no esforço coletivo que se nota a olhos vistos.

Isto posto, o ocidente deveria, em primeiro lugar, solidarizar-se e colaborar com a China com olhares para as vítimas, não para a economia. E, num segundo momento, questionar-se sobre o aprendizado que se pode tirar da organização social chinesa, reerguida de muitas adversidades sob o pressuposto da colaboração e da harmonia.

(O autor é jornalista Brasil 247 e Plurale)

(Web editor: Renato Lu, editor)

0 comentários

  • Usuário:
  • Comentar:

Wechat

Conta oficial de Wechat da versão em português do Diário do Povo Online

Mais lidos