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China e Vaticano realizam conversações sobre defesa do legado histórico

Fonte: Diário do Povo Online    22.02.2018 10h53

As negociações entre o Vaticano e o governo da República Popular da China representam o esforço diplomático mais importante da Santa Sé em décadas, e não é surpresa que ambos estejam enfrentando oposição significativa do hemisfério ocidental.

Existem duas dimensões que é necessário ter em consideração para entender as negociações.

A primeira dimensão é histórica-teológica. Há uma longa história de relações entre o papado e as autoridades políticas que remontam, pelo menos, ao início do século IV, sob o Império Romano de Constantino e mais tarde do imperador Teodósio, quando a Igreja adquiriu relevância pública. Foi o início de uma longa história de relações bilaterais entre a Igreja, como comunidade de crentes, e a comunidade política. É uma história que sempre teve no centro o cuidado do bispo de Roma (o papa) por seus irmãos bispos e Igrejas locais, as boas relações entre a hierarquia da Igreja e as autoridades políticas, e especialmente a nomeação dos bispos.

Essas questões foram cruciais na "controvérsia de investidura" do século 11 ao 12, nas tensões com os estados-nação emergentes na Europa no início do período moderno e na luta com os nacionalismos nos séculos XIX e XX. A questão das nomeações dos bispos foi também importante nas relações entre o Vaticano e a Rússia soviética e os países da Europa Oriental sob o domínio comunista após a Segunda Guerra Mundial.

Mas os paralelos que muitas vezes são estabelecidos entre as negociações atuais com a China e a história da política do leste do Vaticano, durante a Guerra Fria, são enganadores: o contexto histórico apropriado para uma compreensão correta dos esforços em curso é toda a história de 2.000 anos entre a Igreja e o papado.

Há também um desenvolvimento teológico que se agrega a este contexto histórico. Durante o século passado, o catolicismo romano tornou-se uma Igreja mais globalizada: os católicos e o papado chegaram a um acordo com uma maior variedade de contextos sociais e políticos em todo o mundo. Isso significa que a Igreja não buscou o mesmo tipo de arranjo para todos os católicos em todas as nações, mas se esforçou para melhorar as relações dos católicos com as autoridades políticas, a fim de manter e promover a unidade da Igreja.

O objetivo das negociações com as autoridades políticas não é ideológico, mas pastoral, no sentido de ajudar as igrejas locais a viver a sua fé em uma dada realidade concreta, sem divisões artificiais.

Aqueles que acreditam neste possível avanço entre o Vaticano e a China hoje, sabem que há já uma longa história do cristianismo no país asiático, com a qual a Igreja Católica global precisa estar mais diretamente em contato.

Esta é uma parte integrante da visão do Papa Francisco para uma Igreja Católica verdadeiramente global, ao serviço de toda a humanidade e da paz mundial.

O Vaticano acredita no estabelecimento de um diálogo respeitoso e construtivo com as autoridades civis e, ao fazê-lo, a diplomacia do Vaticano expressa os desejos da comunidade católica global, que cuida da comunidade católica chinesa.

Grande parte da resistência contra esta nova relação entre o Vaticano e o governo da China está enraizada na falta de compreensão dessas duas dimensões-chave — o quadro histórico da atividade internacional da Santa Sé e o objetivo pastoral da sua atividade diplomática.

O grande quadro histórico e os objetivos adequados da presença internacional da Santa Sé são muitas vezes perdidos na crítica contra as negociações do Vaticano com a China.

O uso do catolicismo como substituto ideológico para as ideologias ocidentais não é novo, mas está especialmente em desacordo com a visão de catolicismo do Papa Francisco e torna impossível entender esse importante momento nas relações entre o Vaticano e a China.

Massimo Faggioli, autor do artigo, é professor de história teológica na Universidade Villanova nos EUA 

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