Por Pedro Loeher
Visitantes defronte do Museu da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japones. (Foto: Pedro Loeher)
Este ano, a China celebra sua resistência contra um dos episódios mais brutais de agressão de sua história. Entre 1931 e 1945, o país enfrentou talvez um dos momentos mais difíceis que qualquer nação já ousou encarar.
Olhar para esse trauma como estudante estrangeiro me dá uma visão diferente. Vindo do Sul Global, consigo perceber com clareza as cicatrizes que marcam onde as garras da dominação colonial tentaram um dia se fincar.
Na minha busca por compreender melhor a China, encontrei um capítulo sombrio cujas dimensões eu não conhecia totalmente: a agressão japonesa.
O slogan exposto no museu, que significa literalmente "Jurar até a morte nunca ser escravo de uma nação conquistada". (Foto: Pedro Loeher)
Eu diria que nossa localidade desempenha um papel fundamental em nossa falta de conhecimento sobre esse assunto, já que — geograficamente — somos um país ocidental e, portanto, sob influência sociopolítica do Ocidente. Mas isso significaria ignorar as consequências de anos de revisionismo histórico e do apagamento sistemático do terrível papel desempenhado pelo Japão do final do Século XIX até meados do Século XX. Ainda assim, isso não muda o fato de que temos uma perspectiva enviesada em relação à Segunda Guerra Mundial, sendo o ataque a Pearl Harbor o exemplo mais citado da ação japonesa — sem qualquer menção digna de nota às atrocidades que já vinham acontecendo na China muito antes da guerra estourar no Ocidente.
Estudar e falar sobre guerras e suas consequências é crucial não apenas para a memória de uma nação, mas também para compreender como essas interações complexas e violentas moldaram o mundo em que vivemos hoje. Nesse sentido, mesmo sendo um tema delicado, compartilho de uma perspectiva semelhante à da historiadora Margaret MacMillan: “Podemos preferir desviar o olhar daquilo que é tantas vezes um assunto sombrio e deprimente, mas não deveríamos fazê-lo”. Essa frase ecoou na minha cabeça enquanto caminhava pelo Museu da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japones, onde cada escultura transmite um sentimento único — desde os horrores que o povo chinês enfrentou durante a guerra até o seu espírito indomável de salvação nacional.
Pintura a óleo no Museu da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japones, retrata a cerimônia de rendição do Japão, realizada em Nanjing, em 9 de setembro de 1945. (Foto: Pedro Loeher)
É por isso que acredito que produções culturais, como o drama histórico “Dead to Rights”, são de suma importância. Ao contrário da crença ocidental de que tais obras alimentam a raiva e a animosidade entre a China e o Japão, na verdade elas constituem parte indissociável da identidade nacional do povo chinês. O filme transmite a dura realidade da guerra, mostrando que a brutalidade dos conflitos é enfrentada tanto por soldados quanto por civis. A experiência de assisti-lo — combinada à minha visita prévia ao Museu da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa — ampliou minhas perspectivas em relação a essa período histórico.
Em 2025, completam-se 80 anos de dois marcos globais: a vitória na Guerra Mundial Antifascista e a fundação das Nações Unidas. De uma perspectiva histórica, oitenta anos não é tanto tempo assim — na verdade, representam uma distância relativamente curta no caminho percorrido pela China —, o que torna a tarefa de lembrar e honrar o sacrifício do povo chinês pela Guerra Mundial Antifascista ainda mais importante.
Num mundo onde criminosos de guerra de Classe A ainda são venerados e seus sucessores no governo permanecem em silêncio diante da necessidade de encarar seus erros passados, é importante não apenas que os chineses defendam seu legado de luta, mas também que nós, membros do Sul Global, ajudemos a manter viva a memória desse passado não tão distante. Como disse George Santayana: “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Assumir os erros — e, sobretudo, impedir que eles voltem a acontecer — é o único caminho para que possamos vislumbrar um futuro pacífico e continuar trilhando, juntos, nossas novas trajetórias.
(Pedro Loeher é um estudante brasileiro que atualmente estuda História da China na Universidade do Sudoeste, em Chongqing.)