Num ano em que se comemoram várias efemérides em Portugal e, mais especificamente, no quadro das relações entre Portugal e a China, o Diário do Povo Online conversou com Luís Pestana, docente e delegado do Instituto Português do Oriente (IPOR) em Beijing e adido para a Educação e Cultura da embaixada portuguesa na China.
Luís Pestana, delegado do Instituto Português do Oriente (IPOR) em Beijing
A entrevista incidiu primeiramente sobre o papel do IPOR na difusão da língua e cultura portuguesas, na colaboração dessa instituição com a missão diplomática lusa em Beijing e nas transformações ocorridas em torno da forma como a aprendizagem da língua portuguesa é encarada pelo ensino superior chinês.
Sem descurar o plano cultural, sobre o qual nos debruçaremos adiante, ao fazer uma retrospetiva do ano de 2024, que ainda não terminou, Luís Pestana, sem grande hesitação, enumera vários acontecimentos que lhe ocupam a agenda, entre eles os 500 anos do nascimento de Camões, os 45 anos do estabelecimento de relações diplomáticas com a China, ou o 25º aniversário da transferência de Macau para a administração chinesa.
Fundado há 35 anos, o IPOR assume como missão a difusão da língua portuguesa e da cultura lusófona no continente asiático. Até 2019, porém, “o seu raio de ação estava muito circunscrito a Macau”, refere.
Apenas em 2019, quando se dá a abertura do posto de Beijing, é que começou, “pouco a pouco, a ter uma presença mais vincada na parte continental da China”.
“Atualmente temos cerca de 60 universidades com cursos de português. Temos cursos de licenciatura, e depois temos também muitas universidades com o português como língua opcional”, aponta.
No entanto, se no passado as várias instituições de ensino superior se dedicavam essencialmente à língua e cultura na sua oferta formativa, recentemente verifica-se uma nova tendência: os “'double majors' - o estudo de uma área associada a uma língua segunda”.
“Sempre houve um pouco a consciência de que provavelmente no futuro não seria suficiente apenas a língua portuguesa. Os contactos que temos tido de algumas universidades vão nesse sentido - querem manter os cursos de língua portuguesa, mas querem que os cursos sejam mais transversais”, sublinha.
“Hoje percebemos que a língua portuguesa não vai ser o único foco das universidades chinesas. Há cada vez mais instituições locais que pretendem ter outro tipo de relação com as instituições portuguesas”, afirma, aludindo, a título de exemplo, a um acordo firmado em 2022 entre a Universidade de Shanghai e a Universidade de Lisboa, em 2021, na área das engenharias.
Na mais recente edição da China Education Expo, realizada nos dias 1 e 2 de novembro, marcaram presença 5 universidades portuguesas, cujos esforços promocionais estiveram “muito mais voltados para as novas tecnologias, para as engenharias, para a informática, etc”, explica.
Esta alteração de paradigma instou os profissionais dedicados ao ensino de português na China a concentrarem-se na elaboração de "materiais didáticos para fins específicos, como enfermagem, contabilidade ou direito”.
As mudanças não se refletem apenas no conteúdo, mas também na forma. Os cursos gerais do IPOR, outrora apenas ministrados presencialmente, fizeram a migração para o online, “onde é possível atingir um público mais alargado”, incluindo "estudantes universitários que pretendem reforçar conhecimentos, potenciais emigrantes que procuram obter certificações de competências linguísticas, entusiastas de novos idiomas", entre outros.
No plano cultural, prossegue o docente, a atividade do IPOR recai atualmente na “coordenação de esforços com os outros consulados, embaixadas e locais onde temos uma presença do Instituto Camões”.
Após iniciativas como concursos de poesia, organização de concertos musicais e exposições fotográficas para a celebração de datas marcantes, como o Dia Mundial da Língua Portuguesa, ou o 25 de Abril, Luís Pestana regozija-se particularmente com o sucesso do recém realizado simpósio centrado na figura de Luís de Camões, realizado nos dias 17 e 18 de outubro.
"O balanço do simpósio de Camões é extremamente positivo. Tivemos 150 inscritos nos dois dias - na Universidade de Estudos Estrangeiros de Beijing e na Universidade de Comunicação da China - incluindo perto de 20 professores que acabaram depois por participar no workshop no último dia, dedicado à didática e ao ensino de Camões no ensino superior chinês".
Entre os vários convidados, tanto de Portugal como da China, a presença de uma personalidade especial viria, nas palavras de Luís Pestana, a "colocar o simpósio num patamar mais elevado".
"O professor Zhang Weiming foi o primeiro a traduzir Camões para o chinês e, de certa forma, tem um estatuto quase de celebridade. Por isso, a sua vinda foi extremamente importante e isso notou-se, nas interações que teve com o público".
A coordenação bem sucedida entre as universidades chinesas, a embaixada, o IPOR e o Instituto Camões, deixam aberta a possibilidade para que no futuro se repitam iniciativas semelhantes.
A ambição passa por "apostar em atividades diversificadas e que tenham impacto junto da sociedade civil e da comunidade universitária" e por "investir mais na itinerância".
Tal é o caso do apoio de calendarização e intermediação que o IPOR tem vindo a prestar às atuações do ator Manuel Wiborg, que tem protagonizado em solo chinês espetáculos de leitura encenada da Ode Marítima, de Álvaro de Campos.
Após ter passado por Macau, Guangzhou e Shanghai, o ator segue para a capital chinesa, onde irá atuar a 12 de novembro, na Universidade de Estudos Estrangeiros de Beijing.