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Entrevista: Cooperação do BRICS terá um papel maior na melhoria da governança global

Fonte: Diário do Povo Online    23.06.2022 18h24

Chen Yiming,Rio de Janeiro

Marcos Pires

Por ocasião da 14ª Cúpula do BRICS, o repórter do Diário do Povo no Brasil entrevistou Marcos Cordeiro, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista.

Confira a entrevista na íntegra.

Repórter: A 14ª Cúpula do BRICS está prestes a ser realizada. Este ano, os países do BRICS fizeram algum progresso na cooperação em áreas-chave como segurança política, economia, comércio e finanças, saúde pública, desenvolvimento sustentável, entre outros. Em que área você está mais impressionado com o progresso da cooperação? Quais são suas expectativas para a reunião da cúpula deste ano? O que acha das conquistas do mecanismo de cooperação do BRICS nos últimos anos?

Marcos Cordeiro:Como observador das atividades do grupo dos BRICS, desde sua criação em Ecaterimburgo, em 2009, temos visto o avanço nas relações entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A articulação do grupo permitiu que a voz dos países em desenvolvimento fosse ampliada nas relações internacionais, como na OMC, FAO, FMI ou no Banco Mundial. A coordenação política entre os líderes dos cinco países viabilizou uma maior participação dos demais países em desenvolvimento nos fóruns de governança global. Merece destaque a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e a participação decidida do BRICS na estruturação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB). Além disso, é digno de menção as articulações com vistas a melhorar a cooperação, como nos campos aeroespacial, agricultura, finanças, comunicações, intercâmbio acadêmico, etc. Ao longo desses 13 anos melhorou fortemente o conhecimento mútuo entre os povos dos BRICS, criando as bases de uma amizade duradoura.

Repórter: Desde a epidemia, os países do BRICS têm dado as devidas contribuições à luta global contra a epidemia, com base em seus próprios esforços antiepidêmicos. O que você acha da cooperação antiepidêmica e da contribuição dos países do BRICS para a antiepidemia global?

Marcos Cordeiro:O papel dos países do BRICS no combate à pandemia foi muito relevante. Em primeiro lugar, destaco a atitude da China no rápido compartilhamento de informações básicas sobre o coronavírus. Quando a pandemia chegou nos países do Ocidente, em fevereiro de 2020, a China já havia feito o sequenciamento genético e compartilhado com diversos centros de pesquisa. Especificamente com relação ao Brasil, cabe destacar a tradução para o português do livro "Manual de Prevenção e Controle da Covid-19" do Dr. Wenhong Zhang, cuja edição foi patrocinada pelo Banco da China, o Escritório do Conselho Internacional de Promoção Comercial da China no Brasil e a Associação Brasileira de Empresas. Numa fase seguinte, a China teve um papel importante em compartilhar respiradores mecânicos e outros insumos médicos para o tratamento da Covid-19. A fase seguinte foi o desenvolvimento de vacinas, como fizeram a China, a Rússia e a Índia. Os laboratórios desses países e a capacidade de produção de insumos médicos instaladas foram essenciais numa resposta mais rápida para o combate à pandemia. Num momento seguinte, China, Rússia e Índia lideraram a distribuição de vacinas para outros países em desenvolvimento. Acredito que a experiência acumulada nesse processo seja um patrimônio a ser utilizado em eventuais novas crises sanitárias no mundo.

Repórter: A presidência dos países do BRICS este ano cabe à China. Como você vê o seu papel na promoção das conquistas do BRICS no “Ano da China”?

Marcos Cordeiro:Desde que foi anunciada como anfitriã da XIV Cúpula dos BRICS, a China tem organizado diversas atividades para proporcionar os mais variados debates sobre os temas de cooperação entre os países do bloco, não apenas aqueles que envolvem os quadros burocráticos de cada país, mas também abriu espaço para o intercâmbio pessoa a pessoa, mesmo considerando as dificuldades criadas pelas medidas de contenção da Covid-19, que impedem reuniões presenciais. O trabalho até aqui desenvolvido tem sido exemplar, tal como temos acompanhado pelo website.

Repórter:A China propôs a Iniciativa de Desenvolvimento Global(GDI) e a Iniciativa de Segurança Global(GSI). Como você vê a relação entre essas iniciativas e o BRICS? O que elas significam para a cooperação do BRICS?

Marcos Cordeiro:As Iniciativas GDI e GSI são importantes estruturas para se pensar a construção de uma ordem mundial mais segura e inclusiva, pois os atuais arranjos multilaterais não têm conseguido oferecer resultados concretos para as nações e as pessoas. Veja por exemplo a implementação da Agenda 2030 da ONU. As 17 metas do desenvolvimento sustentável estão cada vez mais distantes de se alcançar, pois os impactos econômicos da pandemia fizeram aumentar a fome, o desemprego e a concentração de renda. Não basta projetar metas ambiciosas sem discutir na prática os meios pelos quais elas serão atingidas. Desenvolvimento pressupõe investimentos em áreas chave, como a geração de energia, construção de modais de transporte, saneamento urbano e, principalmente, na formação de mão-de-obra qualificada. Por conta disso, os países em desenvolvimento precisam se articular no entorno de propostas viáveis, tal como propõe o GDI. De forma similar, para a construção de um ambiente pacífico e colaborativo, nenhum país deve garantir a sua segurança em detrimento da segurança de outro. É preciso desarmar a mentalidade de guerra fria e a lógica de zero-sum, tal como propõe a GSI.

Repórter: Diante dos vários riscos e desafios atuais, é mais importante do que nunca fortalecer a solidariedade e a cooperação entre os países emergentes e os países em desenvolvimento. Qual é a importância de mecanismos de cooperação Sul-Sul como o "BRICS+" para o desenvolvimento global?

Marcos Cordeiro:O mundo hoje apresenta desafios sem precedentes. O nosso planeta se encontra muito articulado do ponto de vista econômico, tal como mostra o grande fluxo de pessoas e de bens que se deslocam todos os dias. Esta grande articulação também revelou a existência de muitas vulnerabilidades, tal como mostrou a rápida disseminação do coronavírus, seja no sentido de organizar estratégias comuns para combater a doença como também pela interrupção de muitas cadeias produtivas. Adicionalmente, as reações dos países ocidentais frente ao conflito na Ucrânia revelaram o quanto instituições de importância mundial podem ser utilizadas como arma de guerra, principalmente as sanções relacionadas aos fluxos financeiros e aos meios de pagamento.

Os eventos recentes mostram que a institucionalidade criada e controlada pelos países ocidentais pode ser utilizada indiscriminadamente para atingir seus fins políticos, algo que desvirtua os pilares da governança global. Por conta disso, apesar dos avanços trazidos pelo BRICS para o multilateralismo, torna-se necessária uma maior articulação que potencialize a voz dos países em desenvolvimento. Assim, nesse longo processo de criação de uma ordem internacional mais equitativa, a incorporação de grandes países como a Argentina, Indonésia, Paquistão, Nigéria, Egito, México, seria de grande valia para a articulação dos interesses da maior parte da população mundial e um freio às políticas exclusivistas e agressivas patrocinadas pela potência hegemônica.

Repórter: Quais são as cooperações bilaterais entre China e Brasil no âmbito da cooperação Sul-Sul? Que impacto positivo trouxe ao desenvolvimento do seu país e ao bem-estar das pessoas?

Marcos Cordeiro:Há dois exemplos de cooperação entre Brasil e China que são paradigmáticos e mostram o potencial da parceria. Em primeiro lugar, o projeto conjunto de desenvolvimento de satélites de rastreamento terrestre, o China–Brazil Earth Resources Satellite program (CBRES). Iniciado em 1988, a cooperação permitiu a troca de conhecimentos e a formação de pessoal de alto nível, além de desenvolver quatro gerações de satélites. O segundo exemplo ocorreu em 2020, durante a pandemia de Covid-19, no desenvolvimento da primeira vacina utilizada no Brasil, a Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, ligado ao governo do Estado de São Paulo.

Repórter: Quais são suas expectativas para o "Encontro de Alto Nível do BRICS com Mercados Emergentes e Países em Desenvolvimento"? Quais são suas expectativas para a futura cooperação e desenvolvimento do modelo de cooperação "BRICS+" e da cooperação Sul-Sul?

Marcos Cordeiro:O evento assume uma importância especial justamente quando a comunidade internacional enfrenta múltiplos desafios, como a lenta recuperação econômica pós-covid, a ressurgência da inflação como um problema mundial, a quebra de cadeias produtivas, a adoção de medidas unilaterais que comprometem o desenvolvimento do comércio internacional, as ameaças de desglobalização e as ameaças à segurança internacional. A ampliação formal dos BRICS seria uma resposta inteligente para os desafios de nosso tempo. Novos desafios surgem a cada dia, mais problemas como o subdesenvolvimento, a crise de refugiados, a fome e o crime internacional são desafios antigos que precisam ser enfrentados com uma nova mentalidade e com um maior nível de cooperação entre os países em desenvolvimento. 

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