Em um contexto internacional de alta inflação e problemas nas cadeias de suprimento, as iniciativas impulsionadas pelo grupo BRICS -- Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -- para dinamizar o comércio e a cooperação econômica podem se converter em uma alavanca para a recuperação da economia mundial.
Em entrevista exclusiva à Xinhua, o especialista brasileiro Evandro Menezes de Carvalho sintetizou dessa maneira sua visão do papel que os países do BRICS podem desempenhar diante da crise global, às vésperas de uma nova reunião de presidentes dos cinco países membros.
A 14ª Cúpula do BRICS, presidida atualmente pela China, tem como tema "Construir parcerias de alta qualidade para criar uma nova era de desenvolvimento global", e será realizada no final de junho, de forma virtual.
Carvalho é professor de Direito Internacional e diretor do Centro de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O acadêmico morou em Shanghai, onde trabalhou na Escola de Direito da Universidade de Finanças e Economia e no Centro de Estudos do BRICS da Universidade Fudan.
Criado a partir de 2006 com base em uma agenda de coordenação, em sua primeira década o BRICS trouxe grandes promessas, recordou Carvalho, para quem, esta segunda década é uma de grandes desafios.
"Cada país teve seus desafios internos agravados pela pandemia, pela guerra comercial promovida pelos Estados Unidos e pela política externa dos Estados Unidos de tentar ressuscitar uma mentalidade de guerra fria. Então, temos os desafios que cada país enfrenta internamente aliados a um ambiente internacional hostil", ressaltou.
"Pode-se dizer que nesta segunda década, os países do BRICS estão sofrendo um ataque. A pretensão dessas economias emergentes de ter mais voz no concerto das nações passou a sofrer o ataque das principais potências ocidentais", analisou.
O professor ressaltou que o BRICS nunca se colocou em posição de questionamento da ordem internacional, mas de reformadores.
"Sua vocação tem sido desde o início buscar uma maior participação e representatividade nas organizações internacionais, como FMI e Banco Mundial, para eles e para os demais países em desenvolvimento."
Segundo Carvalho, a atual crise da ordem mundial ocorre, em grande medida, como consequência das posições adotadas nos últimos anos pelos Estados Unidos, país que liderou a construção da arquitetura normativa e institucional no período posterior à Segunda Guerra Mundial.
"Organizações como a OMC e ONU, que foram muito importantes para a liderança dos Estados Unidos no sistema internacional, são questionadas por esse mesmo país, que ameaça retirar-se ou criticá-las", destacou.
"O grupo BRICS aponta em uma direção fundada na cooperação entre as nações e no impulso ao desenvolvimento, com benefícios mútuos para todos os países e em defesa de um verdadeiro multilateralismo."
"É fato que a agenda atual do BRICS é muito ampla e diversificada e que resultou inclusive na criação de uma organização internacional, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que, agora, tem vida própria", afirmou.
"Todos os membros do grupo têm interesse em uma ordem multipolar e não em uma ordem hegemônica, porque não é interessante para nenhum deles uma concentração de poder em um ou outro Estado."
Carvalho recordou que se alguém observar os países membros e suas populações, verá que se trata de quase um terço da população mundial, o que, naturalmente, converte o BRICS em um polo de atração, principalmente para os países emergentes em busca de desenvolvimento.
Este ano, a reunião de chanceleres do BRICS divulgou uma declaração conjunta na qual apoia a promoção do processo de ampliação dos membros do grupo.
Na 14ª Cúpula, a Argentina estará presente como país convidado, com a perspectiva de iniciar um processo de incorporação ao BRICS, o que conta inclusive com o aval do Brasil, seu principal parceiro no Mercosul (Mercado Comum do Sul).
Sobre a questão da crise no funcionamento da economia internacional, afetado pela pandemia e depois pela guerra Rússia-Ucrânia, Carvalho propôs que o BRICS discuta medidas para impulsionar o comércio intracomunitário.
"Seria importante discutir como os cinco países podem dinamizar o comércio entre eles. O Brasil, por exemplo, tem um fluxo muito intenso com a China, mas não com os demais e o mesmo ocorre com os outros (membros)", comentou.
Para Carvalho, os intercâmbios nas mais diversas áreas entre os países do BRICS estão alcançando uma densidade que poderia ser potencializada por uma institucionalização do grupo.
O acadêmico brasileiro destacou que várias iniciativas nesse âmbito estão bastante maduras, como um centro de vacinas, o NDB, acordos de combate ao terrorismo e outros.
"Não há até agora uma base de informação unificada sobre tudo o que está acontecendo. Nesta crise do multilateralismo, em que o protecionismo e o unilateralismo avançam, talvez seja a hora de pensar em uma institucionalização do BRICS", sugeriu.