Os Estados Unidos há décadas prometem mais do que podem cumprir na América Latina e agora enfrentam uma situação em que tentam tomar conta de uma região que tradicionalmente era considerada o quintal de Washington, mas que agora precisa menos, disseram especialistas dos EUA recentemente.
"A reputação dos Estados Unidos em todo o hemisfério está eclipsada há mais de duas décadas, em grande parte por causa da enorme lacuna entre a reivindicação de liderança significativa de Washington e sua indiferença simultânea em relação à região", escreveram Michael Shifter e Bruno Binetti, dois bolsistas do think tank americano Inter-American Dialogue, em um artigo publicado pela revista Foreign Affairs no dia 3 de junho.
O artigo foi publicado na véspera da Cúpula das Américas deste ano, uma reunião de três anos de países do Hemisfério Ocidental que os Estados Unidos sediam pela segunda vez desde sua criação em 1994.
Realizado esta semana em Los Angeles, o evento foi ignorado por líderes de vários países da região, com destaque para o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador. Eles criticaram a falta de inclusão da cúpula, já que o governo Joe Biden se recusou a convidar líderes de países como Cuba, Venezuela e Nicarágua.
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, reage durante sua coletiva de imprensa no Palácio Nacional na Cidade do México, capital do México, no dia 6 de junho de 2022. O presidente confirmou que não participará da Cúpula das Américas nesta semana devido à exclusão de alguns países pelo governo dos EUA.
Shifter e Binetti disseram em seu artigo que os Estados Unidos prometeram demais a América Latina em várias questões, desde a resposta à pandemia e política econômica até outras questões importantes, como a crise migratória.
O governo Biden, disseram eles, "demorou meses para começar a doar vacinas, apesar do excesso de suprimentos domésticos. A falta de atenção foi enorme, dado ao grande custo que a pandemia infligiu à América Latina".
Enquanto isso, iniciativas econômicas dos EUA, como Build Back Better World, "ainda não estão totalmente operacionais". Além disso, "a defesa do livre mercado pelas autoridades dos EUA parece vazia, dada a continuação do governo Biden da guerra comercial de Trump contra a China e seus altos subsídios aos agricultores americanos que prejudicam os produtos latino-americanos para o mercado dos EUA".
"Os Estados Unidos também precisam de credibilidade em questões de democracia e estado de direito", segundo o artigo, citando os embargos de décadas contra Cuba que foram reforçados em 2017 pelo ex-presidente Donald Trump, que em 2019 também impôs duras sanções à Venezuela.
"Além disso, os Estados Unidos não podem mais fingir ser uma democracia digna de emulação", escreveram os autores. "A política polarizada e introspectiva do país diminuiu severamente sua autoridade moral mesmo antes de uma eleição democrática quase ser derrubada em janeiro de 2021".
"Ninguém espera que a política dos EUA em relação à América Latina mude da noite para o dia. Mesmo melhorias modestas exigirão escolhas difíceis e muitas vezes politicamente controversas", segundo o artigo. "Mas, a menos que os Estados Unidos enfrentem seu problema de credibilidade de frente, seu relacionamento com a América Latina continuará se deteriorando".