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Parceria com a China é caminho para o projeto de desenvolvimento do Brasil

Fonte: Diário do Povo Online    19.10.2020 10h44

Gabriel Cassiano

Pela falta de um Projeto Nacional de Desenvolvimento, o Brasil sofre de crônicas quedas da participação da indústria no PIB. Esta perda afeta não somente a produtividade e a escalada tecnológica com a agregação de valor, mas também limita a oferta de empregos em melhores condições. O resultado é a persistência da taxa de desemprego elevada concomitantemente à explosão do trabalho informal e o surgimento de milhares de desalentados. 

Uma parceria estratégica entre o Brasil e a China, resguardando um regime de preferências comerciais com garantias de transferência tecnológicas, pode ser a única possibilidade concreta de retomada e modernização da economia brasileira no sentido da reindustrialização.

A pandemia do novo coronavírus revela as falhas estruturais do modelo econômico que marcou os últimos 40 anos no Brasil. Após o término do “Auxílio Emergencial”, os desafios do emprego, da seguridade e do desenvolvimento industrial ficarão ainda mais explícitos: no momento em que significativa parcela da população se deparar com a falta de oportunidades de trabalho, o fechamento de diversos pequenos e médios negócios (que hoje são responsáveis pelo emprego formal de quase 70% da mão de obra brasileira) e o desmantelamento dos serviços públicos após um rombo fiscal sem precedentes, o Brasil precisará, mais do que nunca, de um plano de desenvolvimento. E parcerias internacionais que compreendam as peculiaridades de um país em desenvolvimento.

Os Estados Unidos não oferecem possibilidades de apoio ao desenvolvimento brasileiro. Após a queda de 32% no segundo trimestre da economia norte-americana somados aos dados de 54 milhões de desempregados, números que não se viam desde a Grande Depressão, os EUA são mais um prenúncio do que pode ocorrer com o Brasil, que uma solução.

A Europa, como um todo, também sofre um debacle. Indicadores mostram que no segundo trimestre o bloco teve uma retração recorde desde o início da série histórica (1995), de 12% em seu PIB, puxada por Espanha (-18,5%), Portugal (-14,1%), França (-13,8%) e Itália (-12,4%). Com esse resultado, a Zona do euro está oficialmente em recessão.

A China, graças à sua institucionalidade e história únicas, conteve a disseminação da Covid-19, consolidando-se como o polo industrial mundial exportando equipamentos essenciais para quase todos os países, desde o sudeste asiático ao G-20: por meio da produção, venda e doação de ventiladores pulmonares, EPIs e medicamentos, a China suportou a luta contra a Covid-19 ao redor do mundo a partir da compreensão de que a humanidade compartilha um destino e questões globais exigem abordagens globais. Sem que isto signifique a imposição de uma agenda – como aconteceu durante o consenso de Washington – a China apontou caminhos incentivando mais países a se engajarem na solução da Covid-19. A cooperação SINOVAC-Instituto Butantã para a produção da vacina é um exemplo desta atitude.

Apesar do efeito imprevisível que a epidemia causou em Wuhan, e depois ao redor da China, no início do ano, o país chegará a 2021 com um crescimento de até 4% do seu PIB em 2020. Mais que invejar este resultado, países que levem à sério o desenvolvimento devem aprender com a China como criar saídas próprias, soberanas, para a maior crise econômica em 100 anos.

Em um cenário externo absolutamente desfavorável para o crescimento brasileiro, a desvalorização da moeda e a competitividade do agronegócio conseguiram encontrar uma saída. Em junho as exportações agropecuárias brasileiras quebraram recordes no auge da pandemia. Este resultado não seria possível sem a capacidade da China superar a pandemia e retomar suas compras e plano estratégico. No atual período, o País do Meio é responsável por cerca de 40% das exportações brasileiras.

No Brasil, as boas relações com a China podem evitar uma tragédia econômica e social ainda maior. Isto depende, no entanto, de mais criatividade e dedicação por parte dos governos, empresas e sociedade civil. Estes agentes precisam compartilhar da visão de que é possível superar uma pauta exportadora majoritariamente agrária e de commodities rumo a um regime de cooperação industrial em prol do desenvolvimento científico e humano. Cidades e governos locais podem avançar a agenda da cooperação científica e sofisticação produtiva entre Brasil e China. Isto não significa que um projeto nacional de desenvolvimento brasileiro seja dispensável, muito pelo contrário.

A história do desenvolvimento chinês ensina, por um lado, que províncias e municipalidades precisam ter fôlego e incentivo para experimentação. Por outro, que a liderança central é determinante na construção de instituições e consensos que avancem o país como um todo, do litoral ao interior, da pauta exportadora ao incremento no consumo doméstico, da ciência e tecnologia à cultura.

Desde a cooperação pelas vacinas – as mais desenvolvidas, seguras e baratas do mundo são chinesas – ao esforço de agregar mais valor à produção industrial brasileira, há muitos caminhos para a criação de uma agenda Brasil-China pelo desenvolvimento. Com a debacle de parceiros tradicionais – mas desinteressados e em profunda crise - como Estados Unidos e Europa, a China se destaca como a melhor parceira estratégica para o Brasil.

O autor é o estudante de economia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Diário do Povo Online 

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