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A China e o Nordeste brasileiro: cooperação, comércio e investimento.

Fonte: Diário do Povo Online    08.09.2020 09h15

João Cumarú e Lucas Wosgrau Padilha

A promoção de relações diplomáticas por entes subnacionais não é algo novo ou exclusivo do Brasil. Entes subnacionais como municípios e estados são capazes de cooperar para além das fronteiras nacionais em causas tão importantes quanto a sustentabilidade e o combate a pandemias. Antes da pandemia da COVID19, porém, os estados do Nordeste brasileiro já nutriam importantes relações de cooperação, comércio e investimento com a China.

Recife

Um dos três consulados-gerais da China no Brasil está no Nordeste. Todos os estados da região Nordeste, à exceção da Bahia, estão sob sua jurisdição. Desde 2016, quando foi inaugurado, o Consulado-Geral da China em Recife, capital de Pernambuco, tem se destacado na diversidade e qualidade de suas ações. Desde 2018, quando chegou no Brasil, a cônsul-geral Yan Yuqing, e sua equipe, atuam em frentes que vão do aumento nos fluxos comerciais entre a região e a China até o avanço em cooperações técnico-científicas.

Através do Consulado em Recife, o Ministério do Comércio (MOFCOM) promoveu em 2019 duas missões comerciais com empresários e representantes de governos estaduais da região. Na China, líderes nordestinos participaram de uma agenda corporativa de reuniões e visitas a iniciativas-modelo em desenvolvimento econômico e sustentável, áreas especialmente sensíveis ao Nordeste brasileiro. Em 2019, quatro governadores e dois vice-governadores de Estados do Nordeste estiveram na China. Dentre eles os governadores Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, Wellington Dias, do Piauí, e a vice-governadora Luciana Santos, de Pernambuco.

Estabelecido em março de 2019, o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste agrupa todos os sete governos da região e se tornou um símbolo de um novo momento para a coordenação regional do Nordeste. Desde então o consórcio cresce em suas atribuições e tarefas para além da coordenação de compras públicas para ganhos de escala, o que motivou sua criação. Como instrumento de coordenação política e de políticas públicas, o Consórcio também promove o avanço das relações sino-brasileiras China a partir do Nordeste.

Em meio à pandemia de COVID-19, o Consórcio Nordeste esteve em contato direto com a Embaixada da China no Brasil para que fosse construída uma rede de cooperação visando o combate ao coronavírus. No dia 20 de março de 2020, quando a pandemia chegava ao Brasil, os governadores do nordeste enviaram uma carta-consulta ao governo da China aventando a possibilidade de ajuda aos estados da região para o enfrentamento da doença. Os sete governadores nordestinos, ainda, ressaltam a admiração pela forma como o povo chinês enfrentou a pandemia e reforçaram a amizade que une o povo chinês e os brasileiros.

As relações comerciais sino-brasileiras dinamizam regiões brasileiras ao aumentar o fluxo internacional de commodities avançadas. Mais que celebrar os avanços já consolidados, no entanto, os governos chinês e brasileiro buscam ampliar - e agregar valor - à cesta de produtos agrícolas comercializados entre os dois países. Nesta agenda, as frutas do Nordeste surgem como prioridade.

A expansão das possibilidades de comércio de produtos nordestinos significa uma oportunidade histórica para o desenvolvimento do semi-árido brasileiro. Em 2019, por exemplo, o Rio Grande do Norte começou a vender melão para a China. A venda da uva, cujo maior polo brasileiro de exportação é o Vale do São Francisco (principalmente em Petrolina e Juazeiro, nos estados de Pernambuco e Bahia respectivamente), está em negociação.

Ainda que São Paulo, sozinho, componha 35% do volume acumulado de investimentos chineses no Brasil, os estados do Nordeste, se somados, representam 17% do total figurando à frente dos demais estados do Sul e Sudeste - as regiões mais desenvolvidas do Brasil. Importantes investimentos em portos, como o de Lucena na Paraíba e São Luís no Maranhão, e complexos para geração de energia eólica e solar nos estados do Rio Grande do Norte, Bahia e Piauí, avançam as fronteiras do desenvolvimento do Nordeste.

A região concentra as melhores condições geográficas e o maior potencial para geração de energia solar e eólica no Brasil. Já existem 142 empreendimentos chineses de energia renovável no Nordeste.

Empresas como a SPIC, Canadian Solar, CTG, CGN, State Grid e Atlantic Energias Renováveis estão presentes em diferentes estados nordestinos participando ativamente dos leilões de geração de energia da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) nos últimos anos. A SPIC, por exemplo, planeja investir R$ 4 bilhões na região, sendo R$ 2 bilhões no Rio Grande do Norte. A estatal chinesa também pretende instalar um centro de desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologia no Rio Grande do Norte e uma fábrica de insumos para a geração de energia.

Em 2019 foi anunciada a construção de uma ponte conectando Salvador, capital da Bahia, e a Ilha de Itaparica. O projeto será realizado pela gigantes chinesas CCCC e CR20 e será a segunda maior ponte da América Latina, com 12,4 km de extensão e investimentos de R$ 5,4 bilhões. A previsão é que a obra esteja concluída em até 4 anos. Também na Bahia a parceria com os chineses pode ser identificada na Parceria Público Privada para construção de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) - a BYD é parte do consórcio que executa o projeto. O VLT terá cerca de 20 km de extensão, 22 estações e capacidade de transportar cerca de 150 mil usuários custando R$ 1,5 bilhões. Ambos os projetos revelam as possibilidades de superação de gargalos históricos na infraestrutura da região por meio de investimentos chineses.

Os exemplos de cooperação, comércio e investimento entre Brasil e China, a partir do Nordeste brasileiro, reforçam o potencial da relação sino-brasileira para além da pauta do comércio de commodities. 

 

João Cumarú é cientista político, bacharel e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em Planejamento e Gestão Pública pela Universidade de Pernambuco, além de Pesquisador Associado do Instituto de Estudos da Ásia da UFPE.

Lucas Wosgrau Padilha é advogado, bacharel em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV DIREITO SP – pós graduado em Direito Econômico, na mesma escola, e mestrando em Direito e Sociedade na Universidade de Pequim, onde é pesquisador-bolsista da Academia Yenching de estudos chineses.

 

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