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Opinião: perguntamos aos políticos americanos, os ataques à China salvam vidas?

Fonte: Diário do Povo Online    09.05.2020 13h32

Perante o contágio acelerado do novo coronavírus nos EUA, o foco de alguns políticos americanos e da imprensa não é salvar vidas, mas a culpabilização alheia, o que é lamentável.

Há alguns dias, um documento de 57 páginas do Partido Republicano, exposto pela imprensa, enuncia tutoriais detalhados sobre como impor a responsabilidade da realidade do coronavírus à China. O mais importante a reter é o seguinte: quando inquiridos se “o surto é culpa de Trump”, os republicanos foram instruídos a, além de enfatizar que o presidente instituiu uma proibição de viagens provenientes da China, “não é necessário referir outros intervenientes, basta atacar diretamente a China”.

Tal escolha de palavras apenas demonstra que quando alguns políticos americanos se deparam com uma epidemia, não importa o que diz a ciência e as evidências, se o propósito passar por confundir e ludibriar a opinião pública.

Na verdade, antes deste documento ter sido exposto, essa conduta já vinha sendo promovida por políticos como o secretário de Estado Mike Pompeo ou o senador Tom Cotton. Eles desde cedo demonstraram a vontade de politizar a origem do vírus, retratando o Instituto de Pesquisa de Vírus de Wuhan como um “risco de segurança”, e que o vírus poderia ter dali “escapado”. Tais alegações nunca foram corroboradas por qualquer base científica. Enfrentando a dúvida pública quanto à fraqueza do governo americano na prevenção epidemiológica, passaram a afirmar que “a China se havia atrasado a informar a OMS da epidemia”.

A mentira tem perna curta. A Coreia do Sul e os EUA reportaram o primeiro caso de Covid-19 no mesmo dia, mas desde então, a trajetória dos dois países foi muito diferente. Nos últimos dias, Richard Houghton, editor-chefe da revista The Lancet, juntamente com outros especialistas de saúde, traçaram o desenvolvimento cronológico da epidemia, enfatizando que os EUA haviam obtido informação epidemiológica por parte da OMS, o que, uma vez mais, prova que as acusações de “atraso” são uma mentira.

No presente, os EUA são o país mais afetado do mundo, com mais de 1 milhão de casos e cerca de 80,000 mortes. Alguns oficiais de saúde afirmam que a epidemia se trata de um “momento Pearl Harbor” ou “momento 11 de setembro” para os americanos de hoje. À medida que mais informações sobre a resposta do governo estadunidense aos caos nos primeiros estágios da epidemia circulam, e que o entendimento do público sobre a propagação do vírus é aprofundado, torna-se claro que alguns políticos ainda se enganam a si próprios, enganando os outros.

Ao longo dos últimos dias, esta crise histórica está inspirando mais questionamentos e reflexões sobre a sociedade americana. O foco de todas as partes é o porquê, apesar da janela temporal de mais de 2 meses, que os EUA não estão ainda preparados para o surto epidemiológico, e porque são os trabalhos de prevenção e controle tão passivos.

A revista Science sublinhou que as medidas de resposta dos EUA foram “fragmentadas, caóticas”, e que as instruções dadas pelos políticos enviaram “mensagens discordantes”. Arthur Kaplan, professor do Centro de Medicina Langon da Universidade de Nova Iorque, referiu que “a Casa Branca não levou as ameaças aos EUA com a seriedade adequada” e que “os conservadores que acreditam no mercado livre põem a ideologia à frente da ciência”.

Em um período em que a pesquisa científica não atingiu ainda uma conclusão, a solidariedade internacional e a cooperação são as vacinas mais eficientes nas quais os países devem depender na resposta à epidemia. Os vírus não conhecem fronteiras, e ninguém está verdadeiramente a salvo até todos estarem a salvo. Face a esta crise global, qualquer pessoa que conteste o vírus é um impedimento ao esforço coletivo. O jogo de culpabilização alheia não leva a lado nenhum - não se trata de uma vacina. Talvez seja apropriado dizer que este é um vírus político. 

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