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Diplomacia científica e a ciência na diplomacia: caminhos para a relação Brasil-China pós Covid-19

Fonte: Diário do Povo Online    05.05.2020 11h44

Daniel Pimentel e Lucas Wosgrau Padilha

A Covid-19 não é a peste negra. Ainda que o discurso obscurantista se faça grande em países como o Brasil e os Estados Unidos — causando desconfianças no atual estado da arte das ciências — , a realidade é que o mundo não enfrenta uma pandemia invencível e incompreensível. A Covid-19 é um desafio científico, não um desfio à ciência: graças à cooperação científica internacional, aos dados chineses, e laboratórios em todo o mundo, são conhecidos a origem do vírus e seus meios de propagação. Muitas vacinas estão em desenvolvimento simultaneamente, de Oxford a Beijing. Pode o Brasil se aproximar da China integrando-se às cadeias globais de PFesquisa e Desenvolvimento (P&D)? Quais os papéis da ciência na diplomacia e da diplomacia na ciência?

Já em 2017, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que a China representava 23% do total dos investimentos mundiais em P&D. No ano seguinte, seus gastos continuaram subindo para representar 2,19% do produto interno bruto. A China possui 25% da força de trabalho de pesquisa e desenvolvimento do mundo e em 2020 assumiu o primeiro lugar entre os países que registram os pedidos de patentes.

Além dos grandes números, a China está integrada às mais produtivas cadeias científicas do mundo.

Em 2018, 662.100 estudantes chineses foram para o exterior, enquanto 492.185 estudantes internacionais de 196 países vieram para a China, de acordo com o Ministério da Educação.

Várias universidades ocidentais criaram centros de pesquisa e desenvolvimento e universidades na China. Um exemplo é a abertura do Centro de Inovação em Ciência e Tecnologia da Universidade de Cambridge-Nanjing em 2018, que foi a primeira instituição de pesquisa cooperativa a ser estabelecida fora do Reino Unido por Cambridge. Outras universidades que estabeleceram instalações de P&D na China são a Universidade de Stanford – que construiu seu centro na Universidade de Pequim - o Imperial College de Londres, a Universidade de Oxford e a Universidade Nacional de Cingapura. Em Shenzhen, onde a ciência encontra a indústria, duas das melhores universidades do mundo estabeleceram o Tsinghua-Berkeley Shenzhen Institute para pesquisas avançadas em ciências do meio ambiente e novas tecnologias energéticas, tecnologia da informação e ciência de dados e medicina de precisão.

No Brasil, de acordo com o mais recente relatório Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2018, foram investidos somente 1,26% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no ano de 2017. Mesmo para os padrões nacionais, o dispêndio é baixo: em 2015, por exemplo, investiu-se 1,34%. O futuro não é animador: a Capes, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), já anunciou que 11 800 bolsas de pesquisa não serão renovadas, uma redução de 12%. E considerando que o orçamento da instituição cairá de R$4,25 bilhões para R$ 2,2 bilhões em 2020, novos congelamentos não são descartados. Segundo a Unesco, o Brasil possui hoje cerca de 700 pesquisadores por milhão de habitantes, na China são 1.100 pesquisadores por milhão de habitantes.

A ciência faz parte das relações internacionais e dá esperanças de que a humanidade conseguirá superar problemas comuns à todos, como a Covid-19. A ciência, a tecnologia e a inovação operam em três dimensões da política externa: informam os objetivos da política externa (Science in Diplomacy), facilitam a cooperação científica internacional (Diplomacy for Science) e, por meio da cooperação, melhoram as relações entre os países (Science for Diplomacy) [fonte].

A cooperação científica internacional, inclusive entre estado-unidenses e chineses, deveria levar à melhoria das relações entre os países (Science for Diplomacy) munindo-os de informações para estratégias cientificamente baseadas como o isolamento social e o uso de máscaras - medidas adotadas pela China desde janeiro. Infelizmente nem todos os governantes são sensíveis à ciência e fecham seus olhos para a realidade, para as universidades e para os centros de pesquisas de seus países.

Foi a ciência um dos pilares da aproximação sino-brasileira ao longo das últimas três décadas. Desde 1988 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (Chinese Academy of Space Technology - CAST), cooperam para a produção de satélites de observação da terra. Os satélites CBERS se destinam a monitoração do clima, projetos de sistematização e uso da terra, gerenciamento de recursos hídricos, arrecadação fiscal, imagens para licenciamento e monitoramento ambiental, por exemplo.

Uma agenda de diplomacia científica não passa somente pelo aumento dos gastos de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, mas pela integração da ciência brasileira às cadeias de pesquisa globais que não passam somente pela Europa e pelo mundo anglófono. O Brasil deve tomar consciência do fato de que a China é uma líder mundial em ciência e tecnologia e buscar caminhos para reforçar a cooperação científica bilateral.

No Brasil, os três níveis de interação entre ciência e diplomacia (Science in Diplomacy, Diplomacy for Science e Science for Diplomacy) devem ser priorizados na agenda de recuperação econômica pós-Covid-19. A cooperação científica com a China é um caminho para que o Brasil perceba que seu parceiro estratégico é mais que o “maior parceiro comercial desde 2008” e que não há superação da armadilha da renda média sem saltos tecnológicos e científicos. China e Brasil podem e devem cooperar na ciência e na diplomacia para oferecer ao mundo soluções para desafios como a garantia da saúde pública, o combate ao aquecimento global e a segurança alimentar. O mundo pós-Covid-19 poderá encontrar na cooperação científica um meio seguro para melhoria das relações internacionais fazendo-as trilhar o caminho da paz e prosperidade compartilhadas.

Daniel Pimentel é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre em modelagem de sistemas complexos pela Universidade de São Paulo

Lucas Wosgrau Padilha é advogado, bacharel em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV DIREITO SP – pós graduado em Direito Econômico, na mesma escola, e mestrando em Direito e Sociedade na Universidade de Pequim, onde é pesquisador-bolsista da Academia Yenching de estudos chineses.

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