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Revista Nature apresenta pedido de desculpas e apela ao fim de estigmatição do coronavírus

Fonte: Diário do Povo Online    10.04.2020 09h56

Com a pandemia de Covid-19 em todo o mundo, vários oficiais governamentais e meios de imprensa associaram o vírus letal com Wuhan, a cidade chinesa onde o surto de Covid-19 foi primeiramente detetado.

Embora não haja provas indicando que o vírus origina de Wuhan, políticos como o presidente dos EUA, Donald Trump, referiram-se ao patôgeno como “vírus chinês” - um ato malicioso que originou crimes de ódio e descriminação contra comunidades asiáticas. A 7 de abril, a revista Nature publicou um editorial intitulado: “Parem com o estigma do coronavírus agora”, ressaltando que a pandemia está alimentando uma onda de racismo e descriminação, especialmente contra os povos asiáticos.

A educação e a investigação vão também pagar o preço. A famosa revista exortou ao término da politização do vírus e dos ataques racistas. “Seria trágico se o estigma, alimentado pelo coronavírus, levasse a que os jovens asiáticos abandonassem as universidades internacionais, interrompendo a sua educação, reduzindo as suas e as oportunidades de outros e deixassem a pesquisa mais pobre”, pode ler-se no artigo.

Segue-se o artigo completo:

Parem com o estigma do coronavírus agora

A pandemia está alimentando o racismo e descriminação deploráveis, especialmente contra os povos asiáticos. A educação e investigação irão também pagar um preço.

Quando a OMS anunciou em fevereiro que a doença causada pelo novo coronavírus chamar-se-ia de Covid-19, o nome foi rapidamente adotado por organizações envolvidas em comunicar informação de saúde pública. Além de nomear a doença, a OMS estava implicitamente enviando um sinal àqueles que haviam erroneamente associando o vírus a Wuhan e à China na sua cobertura noticiosa - incluindo a Nature. Isso foi um erro da nossa parte, pelo qual nos responsabilizamos e pedimos desculpa.

Ao longo dos tempos, era comum associar o nome das doenças virais com os locais ou regiões onde os primeiros casos ocorriam - tal como o síndrome respiratório do Oriente Médio, ou o vírus zika, cujo nome se associa a uma floresta no Uganda. Mas em 2015, a OMS apresentou as diretrizes para parar com esta prática e reduzir o estigma e impactos negativos, tais como medo ou fúria, dirigidos a estas regiões e o seu povo. As diretrizes salientam que os vírus infetam todos os seres humanos: quando um surto ocorre, toda a gente está em risco, independentemente de quem seja ou de onde vem.

Ainda assim, à medida que os países se debatem para controlar a propagação do novo coronavírus, uma minoria de políticos continua usando um guião anacrônico. O presidente Donald Trump repetidamente associou o vírus com a China. O deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro - filho do presidente Jair Bolsonaro - descreveu o sucedido de “culpa da China”. Políticos de outros países, incluindo o Reino Unido, estão também dizendo que a responsabilidade é chinesa.

A continuação da associação de um vírus e doença por ele causada com um local específico é irresponsável e tem de parar. Enquanto epidemiologista de doenças infeciosas, Adam Kucharski lembra-nos no seu livro As Regras do Contágio, publicado em fevereiro, que a história determina a estigmatização de comunidades, sendo que é, por isso, necessário o máximo cuidado. Em caso de dúvida, o melhor a fazer é buscar aconselhamento e interceder pelo consenso das evidências.

Ataques racistas

Não o fazer tem consequências. É inequívoco que desde que o surto teve início, as pessoas com descendência asiática em todo o mundo foram alvo de ataques racistas, com custos humanos elevados - por exemplo, para a sua saúde e seu quotidiano. As autoridades dizem estar tornando os crimes de ódio uma prioridade máxima, mas para alguns essa conduta pode vir tarde demais, incluindo para muitos dos mais de 700,000 estudantes chineses de todos os graus acadêmicos a estudar fora da China. A maioria está na Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Muitos regressaram a casa após a suspensão das instituições onde estavam devido a quarentenas, outros não tiveram a possibilidade de o fazer. Os estudantes hesitam em voltar, em parte por medo de racismo, juntamente com a incerteza sobre o futuro dos seus cursos e por não saberem quando as viagens internacionais serão retomadas.

Estes jovens irão experienciar perdas humanas e materiais. Mas as implicações para estudantes da China e de outros países asiáticos tem implicações vastas para a academia também. Isto significa que as universidades em países afetados se tornarão menos diversas - algo que não acontece há gerações.

Uma perda para todos

Ao longo de décadas, as universidades lutaram para incrementar a diversidade, e os vários países implementaram políticas de encorajamento da mobilidade acadêmica internacional. A diversidade é valiosa por si só. Encoraja o entendimento e o diálogo entre culturas, bem como a partilha de pontos de vista e formas de estar. Sempre foi um combustível para a investigação e inovação.

Além disso, um campus diverso é necessário para o melhoramento de políticas e estruturas, de modo a que universidades - e a publicação de pesquisas - possam ser mais inclusivas. Muitas barreiras à diversidade se mantêm: na edição de abril da edição de física da Nature, por exemplo, investigadores e comunicadores de ciência da China, Índia, Japão e Coréia do Sul, elencaram exemplos de descriminação e outros fatores que os previnem de ter voz em revistas internacionais (S. Hanasoge et al. Nature Rev. Phys. 2, 178–180; 2020).

Muitos líderes querem ouvir e agir sob aconselhamento científico especializado para lidar com esta pandemia e salvar vidas. Na terminologia, o aviso é claro: temos de fazer tudo que pudermos para evitar e reduzir a estigmatização; não associar a Covid-19 com grupos de pessoas ou locais específicos; e enfatizar que os vírus não descriminam - todos estamos em perigo.

Seria trágico se o estigma, alimentado pelo coronavírus, levasse a que os jovens asiáticos abandonassem as universidades internacionais, interrompendo a sua educação, reduzindo as suas e as oportunidades de outros e deixassem a pesquisa mais pobre - especialmente quando o mundo depende dela para se recompor.

O estigma do coronavírus tem de parar - agora.

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