Por Lu Yang e Mauro Marques
Centro Cultural de Macau, 10 de dezembro de 1999. A macaense Manuela Sousa participava nos preparativos para a transferência de administração de Macau. A tarefa da qual estava incumbida era a interpretação simultânea entre chinês e português durante a cerimónia.
Em 2019, o governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) galardoou-a com a Medalha de Mérito Profissional pelo seu contributo. Recordando a ocasião do retorno de Macau à China, Manuela afirma: “Tive muita sorte de poder participar na cerimónia. Testemunhar uma bandeira ser arreada e uma outra ser içada, simbolizou verdadeiramente esse retorno”.
Na Alameda Dr. Carlos d’Assumpção, Manuela Sousa relata aos repórteres do Diário do Povo Online o ambiente que se vivia na altura. “Fui afortunada em participar na maioria dos trabalhos no período de transição e de fazer interpretação. Foi um período de grande expetativa. O que se estava afinal a passar em todo o processo de retorno? Poder assistir a tudo pessoalmente foi muito gratificante”.
Nascida em Macau, Manuela Sousa faz parte da terceira geração de macaenses e trabalha atualmente como intérprete-tradutora assessora na Direção dos Serviços de Administração e Função Pública.
Nascidos no território, os macaenses são caracterizados principalmente pela descendência de portugueses e chineses. Atualmente, existem mais de 10,000 macaenses em Macau. A maioria são funcionários públicos espalhados pelos diversos departamentos do governo da RAEM. Existem também alguns no ramo da advocacia, contabilidade, construção, entre outras indústrias. Uma pequena fração está ligada ao setor do comércio de Macau.
Manuela refere que os macaenses atravessam uma mescla de sentimentos durante o processo de crescimento e de estudo. “Durante os meus estudos, sinto-me mais como portuguesa, devido à quantidade de elementos culturais portugueses e linguísticos durante todo o processo. A maioria dos meus colegas também eram portugueses. No entanto, no meu dia-a-dia, ao longo do meu crescimento, sou totalmente chinesa”.
Manuela consegue falar mandarim, cantonês e português, mas confessa aos repórteres que a sua língua materna é o cantonês, tendo aprendido o mandarim ao longo dos anos. A sua mãe é chinesa, sendo que foi muito influenciada pela cultura chinesa desde criança. “Compreendo a queima de incenso em reverência aos deuses, ou de papel em homenagem aos nossos antepassados, entre outros conceitos que têm influência demarcadamente chinesa. Os macaenses são isso mesmo, a convivência de características da cultura portuguesa e da cultura chinesa”.
Antes do retorno de Macau, Manuela trabalhava no governo local. No dia da transição, testemunhou todo o processo do hasteamento da bandeira chinesa. “Sinceramente, no momento em que a bandeira foi arreada, foi um pouco triste porque os portugueses estavam de saída. E agora? O que irá acontecer no futuro?”, relembra. Porém, 20 anos depois, acredita que a sua escolha em permanecer foi correta.
“Na altura estava já a trabalhar como tradutora no governo e senti que o futuro do setor seria certo, por isso decidi ficar. Acho que 20 anos depois, posso verdadeiramente dizer que não tenho arrependimentos e que ficar foi a escolha certa. Foi a escolha certa para mim e para a minha família”.
Com efeito, Macau é considerada uma plataforma de intercâmbio entre a China e os países de língua portuguesa, especialmente desde o estabelecimento do Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, em 2003. Quadros proficientes nas línguas chinesa e portuguesa, como Manuela Sousa, têm cada vez mais espaço para avançarem nas suas carreiras em Macau.
“Macau tem influência da cultura portuguesa. O nosso sistema legal e linguístico tem influências portuguesas. Como tal, enquanto plataforma, Macau está próximo dos países de língua portuguesa. Macau tem a capacidade e as condições para oferecer uma ampla gama de serviços aos países de língua portuguesa. Serviços legais, linguísticos ou outro tipo de situações nas quais não haja um entendimento tão aprofundado do resto da China, Macau funciona como uma ponte.
A tradutora diz com um sorriso que, depois do retorno de Macau e da afirmação do território como plataforma sino-portuguesa, a sua carga de trabalho aumentou consideravelmente, especialmente desde o 8º ano após o retorno, com cada vez mais quantidade de traduções. “Posso dar alguns números. Antes do retorno, havia cerca de 20 reuniões por mês, e agora temos em média mais de 60, não incluindo reuniões internas ou de curta duração”.
Apesar do aumento da carga de trabalho, Manuela Sousa está confiante no papel de Macau no reforço dos laços sino-lusos. “Depois do retorno, o governo tem gerido muito bem a RAEM. Com o forte apoio do governo central, podemos atingir um melhor desenvolvimento. O desenvolvimento económico fala por si. Tais resultados positivos podem também desempenhar a sua função nesta aproximação”.