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Os horizontes das relações sino-brasileiras no governo de Bolsonaro

Fonte: Diário do Povo Online    02.11.2018 14h32

Por José Medeiros da Silva

A vitória de Jair Messias Bolsonaro para presidente do Brasil no dia 28 de outubro desse ano de 2018 tem gerado muitas especulações sobre a natureza e o caminho a ser trilhado pelo seu futuro governo. No tocante às questões internacionais, isso não tem sido diferente, particularmente sobre as relações sino-brasileiras. No entanto, apesar das legítimas inquietações suscitadas por parte da mídia, empresários, investidores e alguns estudiosos dessa relação, o horizonte dessa parceria não precisa ser temido. Pelo contrário, ele tem tudo para continuar promissor.

Primeiro, devido à solidez dessas relações. Desde que a mesma foi estabelecida em agosto de 1974, seu aprofundamento tem sido contínuo, atravessando o tempo e as dificuldades, independentemente do tipo de governo ou da situação interna de cada um dos dois países. Aliás, a não interferência nos assuntos internos de um outro país é um dos princípios comuns adotado tanto pela China quanto pelo Brasil.

Segundo, porque a sinceridade, o respeito mútuo e busca de convergência são as bases que sustentam essas relações. Nesses quase 45 anos de relacionamento amistoso, esses princípios firmaram o relacionamento sino-brasileiro em bases muito sólidas. O legado histórico desse relacionamento, construído com esforços e muito cuidado é, no geral, muito favorável.

Por isso, ao se olhar para algumas ventanias e ruídos, deve-se também verificar esse legado. A consistência dessas relações não está assentada nos números passageiros da balança comercial, na compra ou venda de commodities ou nos vultuosos e necessários investimentos econômicos. Dito de outro modo, não são os números do comércio atual que tornaram importantes as relações entre a China e o Brasil. A força dessa relação está em seus princípios, edificados cuidadosamente desde o seu início. Foram esses princípios que aplainaram o caminho para que hoje os dois países possuam uma parceria econômica tão robusta. E são eles que devem prevalecer nessa nova etapa do Brasil a ser governado por Jair Bolsonaro, e da China, governada por Xi Jinping.

É compreensível as inquietudes levantadas por alguns investidores e colegas estudiosos dessas relações. São preocupações legítimas, suscitadas, principalmente, devido a uma visita que Bolsonaro, ainda como deputado federal, fez a Taipei em fevereiro desse ano. E também, durante o processo eleitoral, quando o mesmo chegou a afirmar que “a China não estava comprando no Brasil, mas comprando o Brasil”.

Sobre esses problemas, o professor Dr. Severino Cabral, da Escola Superior de Guerra, destaca que "o fato de um candidato ter dito algo, que pode soar como estranho, é coisa da campanha, que deve ser entendida assim”. Pois "uma coisa é o presidente, a visão de estadista, outra coisa é o dia-a-dia das posições" (Declarações à agência de notícias Lusa, publicada em 24-10-2018).

Para as pessoas de outras culturas e que não estão tão familiarizadas com o ambiente das disputas políticas no Brasil, talvez seja um pouco difícil distinguir gestos e discursos de um candidato durante uma campanha eleitoral e o seu comportamento posterior como presidente. Mas é importante compreender que esse é um fato corriqueiro na cultura política do Brasil. No exercício de um mandato, a força institucional, o bom senso e os interesses estratégicos do país tendem a predominar.

Um terceiro aspecto a ser considerado são as linhas gerais da nova política externa já sinalizadas pelo novo governo. Não há dúvidas que haverá mudanças, mas essas mudanças podem, inclusive, ser benéficas no quadro específico das relações entre a China e o Brasil. Uma delas é o papel que o Brasil atribuirá ao Mercosul. Outra é a especificidade da relação com alguns países da fronteira, para que seja intensificado o combate ao tráfico de drogas e de armas. E um terceiro ponto é a do pragmatismo, sintetizado na frase do novo presidente de que as relações do seu governo não vão se pautar por um “viés ideológico”. Esse último ponto, ao nosso ver, converge muito com a linha de ação adotada atualmente pela China.

O presidente Xi Jinping tem mencionado frequentemente a necessidade de um diálogo amigável e sincero entre as civilizações, onde as diferenças sejam respeitadas e celebradas. Ele também tem orientado a China para seguir um modelo de relações internacionais centrado no diálogo, na cooperação e na busca por benefícios mútuos. Claro que cabe a cada país, de forma soberana, decidir o que considera benéfico para os seus interesses.

Vale destacar ainda que em 2012, o relacionamento entre a China e o Brasil foi alçado ao patamar de “Parceria Estratégica Global”. Além do mais, é importante notar que essa parceria transcende as esferas bilaterais e envolve outras esferas significativas na relação de poder global, como o G20, a Organização Mundial do Comércio e o BRICS.

Finalmente, mais do que no jogo de palavras, é preciso ter sempre em mente os dados da realidade histórica e dos diversos interesses em curso. Nesse sentido, não acreditamos no surgimento de confrontações ou de movimentos bruscos que mudem o rumo profícuo desse relacionamento. Algumas tensões devem ser vistas como normais, devido à diversidade dos interesses e à complexidade do mundo atual. Mas elas devem ser tratadas com diálogo e sinceridade.

Concluindo, transcrevo aqui uma reflexão do então presidente do Brasil, general João Baptista Figueiredo, compartilhada no Grande Salão do Povo, em Beijing, em maio de 1984, diante do então presidente da China Li Xiannian. Figueiredo, que foi o primeiro presidente do Brasil a visitar a China, apropriadamente destacava: “A principal questão, hoje, de nosso relacionamento é, sem dúvida, a de saber o que devem fazer países como o Brasil e a China para reforçar os vínculos existentes. Creio que a resposta a essa indagação não é teórica nem retórica. É prática, concreta e fundamentalmente construtiva”.

Esta é uma reflexão muito atual para se pensar os horizontes das relações sino-brasileiras nessa nova etapa.

Sobre nossos desafios e dificuldades internas, também muito relevantes, esses devem ser tratados entre nós.

 

José Medeiros da Silva é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, na China. 

 

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