Por Mauro Marques, Andreia Carvalho
Raros deverão ser os portugueses aos quais o nome “José Rodrigues dos Santos” não seja associado a um timbre de voz característico, a um cenário de guerra ou calamidade, aos conteúdos noticiosos e ao “Telejornal”, o noticiário da emissora nacional portuguesa (RTP).
O experiente jornalista, que “entra em casa” dos portugueses há sensivelmente 3 décadas, em cujo currículo consta a colaboração com cadeias como a BBC e CNN, veio à China apresentar a sua outra faceta, a de romancista, de modo algum menos conhecida que a supramencionada.
Tal o comprovam o seu estatuto de bestseller em Portugal e a proficuidade dos 16 romances publicados em nome próprio, traduzidos em 22 línguas, ao longo de uma jornada iniciada em 2002.
Em Macau, onde viveu por três anos e se lançou no jornalismo, participou no recém-realizado Festival Rota das Letras. Daí rumou à capital chinesa, à Universidade de Línguas Estrangeiras de Beijing, onde conviveu com os alunos de língua portuguesa daquela instituição, e ao café-livraria Bookworm. O Diário do Povo compareceu ao último, onde JRS manteve, juntamente com embaixador português, Jorge Torres-Pereira, uma conversa em torno de ambas as suas vocações: jornalista e romancista.
A sua polivalência profissional assume, como o próprio refere, uma relação de complementaridade: “Sinto-me um melhor jornalista por ser romancista e melhor romancista por ser jornalista”. O quiasmo que usa para se autodescrever refere-se à sobreposição constante da sua veia jornalística com a propensão para contar histórias. A fórmula do seu trabalho surge, efetivamente, da comunhão destes dois mundos, recorrendo ao “uso da ficção para contar a verdade”.
Para dar forma às suas obras, JRS imerge numa panóplia de “documentos históricos, biografias, entrevistas, estudos académicos” e nas suas viagens: “Retiro muitas ideias das minhas viagens…metade das minhas ideias surgem durante as viagens que faço”.
O vocábulo "viagens" foi, nas suas mais variadas aceções, recorrente durante o evento. Ora com JRS a referir-se aos seus romances históricos como “viagens no tempo”, ora com a sua viagem à descoberta da identidade de cada figura histórica incluída nas suas obras, ou até mesmo à inspiração que obtivera nas várias situações em que se viu como repórter de guerra e de desastres naturais (Bagdad, Haiti…) — créditos que não foram deixados por mãos alheias nesta tertúlia.
Todo o processo que antecede a redação das obras visa alicerçar as lacunas da profissão de jornalista que, refere, “sabem de tudo um pouco, mas nada de modo aprofundado”.
Com uma obra literária de mãos dadas com a história, José Rodrigues dos Santos realça que “a maior parte dos historiadores não sabem escrever de forma apelativa”, sendo que, por isso, as pessoas podem ser confrontadas com um certo desinteresse na hora de alimentar a sua curiosidade sobre determinado tema recorrendo aos materiais convencionais. Este foi, como descrito de seguida, um dos motivos pelos quais JRS se interessou por esta disciplina.
A motivação para a inclusão do continente asiático no seu trabalho de ficção, nomeadamente na trilogia de Lótus, surge também com a finalidade de divulgar a história entre aquele continente e Portugal que, diz, “é muito esquecida”. Afinal, lembra, “os descobrimentos começaram por causa da Ásia”.
“Também penso que, nós, em Portugal, e nós, romancistas, fizemos um mau trabalho ao longo do tempo em recuperar a história do país… em contá-la de uma forma atraente, sedutora, e, assim, recuperar esses episódios esquecidos. Portanto, acho que tenho essa responsabilidade”, afirmou.
Confrontado com uma possível aversão ou falta de curiosidade do seu público para geografias exógenas à sua zona de conforto, JRS explica que “entendo que não seja um tema assim tão óbvio para o leitor, mas acho que a nossa responsabilidade também é despertar a atenção para as coisas. É isso que tento fazer quando escrevo”.
A literatura em língua portuguesa, embora ainda pouco expressiva na China, começa a dar passos no sentido de estar mais acessível ao público geral. O festival Rota das Letras realizado em Macau, bem como as demais iniciativas levadas a cabo, juntamente com o apoio das embaixadas, têm contribuído para a crescente visibilidade da literatura lusófona e da língua portuguesa na China.