Por José Medeiros da Silva* e Rafael Gonçalves de Lima**
O discurso inaugural em defesa da globalização econômica, pronunciado dia 17 de janeiro de 2017 pelo presidente chinês Xi Jinping no 47º Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, foi indubitavelmente o grande acontecimento do evento deste ano. Aspectos do seu discurso foi repercutido imediatamente por grande parte da mídia internacional. No Brasil, por exemplo, onde os principais meios de comunicação geralmente observam a China de forma superficial, a repercussão também foi muito significativa.
No geral, a ênfase da mídia fixou-se em dois pontos. Um, a defesa chinesa do processo de globalização. O outro, a dedução de que essa ênfase foi uma crítica indireta ao novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Apesar de pertinente, essa visão não reflete a essencialidade da mensagem transmitida pelo líder chinês, cuja novidade foi o de apontar de forma clara quais as fontes dos grandes problemas mundiais da atualidade e quais os problemas específicos gerados pelo processo de globalização econômica em si.
A surpresa de parte da mídia ocidental em relação à defesa do processo de globalização econômica feita pelo presidente chinês em Davos denuncia antes de tudo que parte dessa mídia continua distanciada sobre o que se passa na China, especialmente sobre suas deliberações estratégicas. Isso porque essa defesa vem sendo feita continuamente com discursos e ações práticas, especialmente depois que Xi Jinping assumiu o comando do país, no início de 2013.
É também uma obviedade que a China tem sido um dos principais agentes e impulsionadores desse processo. Sua intensa presença na África e nas mais diversas partes do globo, além de iniciativas como a criação do "Cinturão Econômico da Rota da Seda" e de "Rota da Seda Marítima do Século XXI”, são exemplos suficientes.
Sobre a leitura de que Xi Jinping em seu discurso quis advertir Donald Trump, apesar de verossímil, não condiz com a forma de atuação diplomática chinesa, que procura nas suas relações ressaltar os pontos de convergências ao invés de estimular os pontos de tensão. Além do mais, não é da natureza chinesa se posicionar publicamente diante de situações ainda hipotéticas, mesmo que muito prováveis. No ocidente, a mentalidade dual é um campo fértil para a imaginação de enfretamentos. Esse mesmo raciocínio poderia ser aplicado para opor China ao Reino Unido, depois que esse optou pela saída da União Europeia. O que a China tem observado é que a defesa de seus interesses vitais passa pela construção de um ambiente internacional pacífico e economicamente interconectado.
Assim, a crítica central do discurso de Xi não pode ser atribuída a Trump, mas sobre uma realidade vigente insatisfatória decorrente de práticas e decisões geradoras de dramas humanitários e desequilíbrios econômicos, como as ondas de refugiados e ou mesmo a crise financeira internacional.
Consciente de que a tarefa mais importante da atualidade é tirar a economia global da crise, Xi Jinping procurou transmitir e compartilhar sua visão sobre os entraves que impedem uma fluidez positiva da globalização econômica. Por exemplo, “a governança econômica global inadequada”, que cria distorções de representação e inclusividade; e o desenvolvimento desigual, talvez decorrente desse primeiro, que mantém sem solução problemas sociais graves, como a fome e o desemprego.
A presença de Xi Jinping em Davos, aplaudido efusivamente por grande parte dos principais operadores e protagonistas da economia global é um forte sinal das mudanças dos tempos. Sua presença, de forte de simbolismo, surpreendeu principalmente aqueles que persistiam em olhar a China como um lugar distante e fechado em sua Grande Muralha. Sua mensagem foi também de estímulo e convite: “Nenhuma dificuldade, por mais assustadora que seja, impedirá a humanidade de progredir. Diante das dificuldades, não devemos reclamar de nós mesmos, acusar os outros, perder a confiança ou fugir das responsabilidades. Devemos juntar as mãos e enfrentar os desafios (...) Vamos fortalecer a confiança, agir e marchar de braços dados em direção a um futuro brilhante”.
Indubitavelmente, ascensão contribui para deixar a globalização mais universal. Quiçá, o protagonismo chinês no desenvolvimento econômico global possa abrir novas sendas que gerem, além de benefícios materiais, oportunidades para que os humanos possam fortalecer a amizade e prosperar conjuntamente.
*José Medeiros da Silva é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Professor da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, em Hangzhou
**Rafael Gonçalves de Lima é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Jilin, na China