Por Mauro Marques e Rafael Lima(Diário do Povo Online/Xinhua)
O ano de 2016 foi particularmente repleto de momentos de protagonismo para os países e regiões da lusofonia. Da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro à eleição de um português para o cargo de novo secretário-geral da ONU, da realização da cúpula do BRICS em Goa, na Índia, ao Fórum de Macau, o mundo falante do idioma de Camões se viu em pleno desenvolvimento de relações em um contexto cada vez mais complexo e repleto de desafios.
Coincidentemente, a busca chinesa pela revitalização da nação contempla também uma intensificação das suas relações com o mundo lusófono.
O resultado dessa aproximação resulta de uma convivência harmoniosa, que se manifesta nos mais diversos campos de ação.
As mudanças no cenário internacional são, em larga medida, reflexo da tomada de decisões internas dos Estados, especialmente dos principais polos de poder. Neste sentido, 2016 parece indicar que a China deverá se tornar o novo motor do processo de globalização nos anos vindouros.
A identidade que a China assume no processo de globalização é acompanhada pelo perfilhamento de vários conceitos-chave, de entre os quais se destacam a “política externa independente”, o “desenvolvimento comum”, uma “comunidade de destino compartilhado” e a “construção de um novo modelo de relações internacionais”.
A interação entre a China e o mundo lusófono se define como um firme exemplo no qual são exteriorizadas a paz e a harmonia, a multipolarização e a cooperação de ganhos compartilhados. Trata-se de um tipo de relação que responde às necessidades impostas pelo cenário de incertezas, que tem se delineado a partir das profundas mudanças históricas sem precedentes que o mundo tem experimentado.
O presente artigo, resultante de uma coautoria luso-brasileira, visa precisamente fazer uma síntese dos episódios mais marcantes do ano entre a China e o mundo falante da língua portuguesa.
Cúpula da CPLP e eleição de António Guterres para secretário-geral da ONU
A caminhar para o final do ano, o Brasil, o gigante da lusofonia, recebeu a Conferência dos Chefes de Estado dos países da CPLP, reforçando o papel de uma instituição que se define pela afinidade cultural dos seus membros e pelo sonho do mentor do projeto, José Aparecido de Oliveira, que no ano da fundação da CPLP ocupava o cargo de embaixador do Brasil em Portugal.
Na comemoração da efeméride dos 20 anos de existência desta instituição, surgem medidas e compromissos mais sólidos e ambiciosos — entre os quais sobressai a proposta portuguesa de vir a ser permitida a liberdade de circulação de pessoas dentro do espaço lusófono — e também mais internacionais.
E quem melhor para assinalar a vertente internacional da CPLP do que António Guterres, recém-eleito para assumir o comando da ONU e presente na cúpula de Brasília sob convite do presidente brasileiro, Michel Temer?
Guterres, num discurso em que pôde, enfim, fazer uso da sua língua materna — algo que não passou despercebido ao presidente brasileiro, que aproveitou a ocasião para, em tom bem- humorado, “sugerir” ao futuro secretário-geral para mover esforços no sentido de tornar a língua portuguesa um dos idiomas oficiais da ONU — advertiu para as “perceções disfuncionais”, criadas entre grupos de países da comunidade internacional.
Aludindo a uma lição que diz ter-lhe marcado para toda a vida, transmitida pela sua primeira esposa, psicanalista, Guterres relatou que esta outrora lhe dissera que: “Quando duas pessoas estão juntas, não há duas, há seis. O que cada uma é, o que cada uma pensa que é, e o que cada uma pensa que a outra é”. Daí, procedeu à adaptação da situação, por analogia, à relação existente entre “países” e “grupos de países”.
A génese da CPLP assume, assim, na opinião do orador, o seu papel internacional decisivo: “A CPLP pode ser um traço de união fundamental na comunidade internacional, porque felizmente nas nossas relações não há 6, há só 2. Nós não só nos compreendemos como nos entendemos. E penso que é muito importante que possamos ser uma ponte, para que os outros sejam também capazes de se compreender e de se entender. É como se a CPLP pudesse também significar a ‘Comunidade das Pontes de Língua Portuguesa’.”
A importância ascendente que a China detém no cenário internacional terá ajudado António Guterres a tomar a decisão de colocar uma visita a Pequim no topo das suas prioridades, dando início à construção de pilares de entendimento, antes ainda de substituir Ban Ki-moon, tendo-se reunido com vários nomes fortes da liderança chinesa, entre os quais o presidente Xi Jinping e o primeiro-ministro Li Keqiang.
Na sua primeira entrevista aos meios de comunicação chineses, em outubro, Guterres expressou a sua admiração pela cultura do país e pelo contributo da nação asiática para a civilização humana.
O futuro secretário-geral, que contou com o expresso apoio da China na sua eleição, destacou o seu contacto frutífero com dirigentes chineses em diversas fases da sua vida e carreira, como as negociações da entrega de Macau à China (na altura enquanto primeiro-ministro de Portugal), como presidente da Internacional Socialista, ao alavancar o diálogo estratégico com o PCCh, e, por fim, como alto-comissário para os refugiados, ao manter “um diálogo altamente construtivo” com as autoridades do gigante asiático.
Na sua deslocação à capital chinesa, Guterres destacou a “importante contribuição” da China à ONU, descrevendo o país asiático como “um pilar sólido do multilateralismo no mundo”.