Por Keila Cândido
Arcelina Helena Públio Dias, jornalista e escritora - Crédito Arquivo Pessoal
A jornalista e escritora paulista Arcelina Helena Públio Dias desembarcou em Beijing na tarde fria do dia 2 de novembro para completar seus últimos passos de peregrinação pela China. A capital é a última parada da viagem de 100 dias que começou em Lhasa, no Tibete. Viajando sozinha, aos 72 anos e sem falar mandarim, Arcelina tem encarado o desafio com bom-humor, resiliência e ouvidos interessados. “Se tem algo com o que não me preocupo é com as coisas que não posso mudar”, diz, com a calma de quem tem tempo para gastar - ritmo que destoa do movimento apressado do dia a dia chinês.
Em uma única bagagem, ela carrega, além de poucas roupas, jornais, livros e blocos de anotação, materiais de pesquisa para o livro que está escrevendo sobre a China. Ela foi ao país em busca da harmonia, nos seus diversos sentidos: harmonia entre as pessoas, entre o Estado e povo, convivência de religiões, no bem–estar social, conceitos que também se baseam no pensamento do filósofo chinês Confúcio.
Católica beneditina, ela quis entender como acontece a prática da religião nesse país de budistas, taoístas, ateus e cristãos. “No Brasil existe uma desinformação sobre como está a igreja Católica na China”, disse. E o que encontrou ao visitar diversas igrejas e mosteiros pelas dez cidades onde passou foi uma igreja que “vai muito bem”. “Eu vi igrejas cheias de chineses e estrangeiros, com missas em várias línguas”, afirma. Algo bem diferente das histórias que ouviu de que não era permitido rezar, e de que a religião é praticada de maneira clandestina. Em agosto de 2014, o governo chinês enviou uma mensagem dizendo "que tem boa vontade para melhorar as relações com o Vaticano” e que continua “fazendo esforços para alcançar esse objetivo”. “Nesse projeto de nova China, essa questão religiosa também está inserida e isso é uma forma de buscar a harmonia”, diz. Estima-se que há no país 12 milhões de católicos.
A China foi a única terra a pisar sem falar a língua. Em seu projeto de escrever sobre cinco continentes, escolheu lugares em que poderia se comunicar com a população local. A estratégia dessa vez foi observar bastante e usar mímica. “Dentro do espírito da peregrinação, tem gente que carrega a cruz, literalmente”, afirma. “As minhas cruzes foram as dificuldades que encontrei por não falar mandarim.”
Viajante solitária, sem patrocínio e com pouco dinheiro, teve que contar com a ajuda de várias pessoas ao longo do caminho. Ficou hospedada na casa de quem não conhecia, em mosteiros, albergues, universidades, e fez boa parte dos trechos entre as cidades de trem. Mesmo sem saber a língua, foi bem recebida pelos chineses – e também por brasileiros vivendo na China. “Os anjos que apareceram pelo caminho” a ajudaram a sair de diversas ciladas. Ela perdeu avião, comprou passagem de trem com a data errada, caiu na escada do metrô, deu voltas e voltas nas ruas por receber informações desencontradas, ficou incontáveis vezes confusa com os ideogramas, comeu sem saber o que tinha no prato. E se esses perrengues não são suficientes, Arcelina ainda teve de lidar com as dificuldades de comunicação via internet. O alívio foi não ter adoecido e ter se dado muito bem com a culinária chinesa.