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Entrevista: Prof. José Medeiros da Silva analisa os últimos acontecimentos da crise política no Brasil

Fonte: Diário do Povo Online    12.05.2016 16h35
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Professor Dr. José Medeiros da Silva

O Senado Federal do Brasil decidiu ontem (12) pelo afastamento de Dilma Rousseff do cargo de presidente da república. Tendo os discursos no Senado alcançado a maioria pró-impeachment, o Diário do Povo Online entrevistou o professor José Medeiros da Silva, Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, em Hangzhou, e pesquisador convidado do Instituto Internacional de Macau. O professor respondeu a uma série de perguntas sobre o que está acontecendo no Brasil, os erros cometidos pela presidente Dilma e os rumos que o país irá tomar daqui em diante. Veja na íntegra a entrevista que segue. 

Diário do Povo Online: Recentemente, o Brasil era destaque internacional devido ao seu protagonismo econômico e social. Agora, o país chama a atenção do mundo por causa de uma grande crise política. Que análise você faz dessa crise, cujo capítulo mais recente está sendo o afastamento da presidente Dilma Rousseff pelo Senado Federal?

José Medeiros da Silva: De forma bem simplificada, poderemos dizer que o que está acontecendo no Brasil é uma grande luta pelo controle do poder político central fora de um período eleitoral. Os resultados das eleições de 2014 não foram aceitos por um setor expressivo da oposição brasileira, incluindo-se aí alguns seguimentos empresariais, grupos da grande mídia e uma parcela importante da classe média dos grandes centros urbanos, principalmente no eixo sul-sudeste. A conjunção dessas forças e a tomada de decisões equivocadas nos primeiros meses do segundo mandato da presidente Dilma formaram a tempestade perfeita que resultou, agora, no seu afastamento da presidência. Depois das eleições de 2014, a conjuntura política nacional e internacional exigia uma pessoa de perfil bem mais político do que técnico. Talvez por um excesso de confiança em sua capacidade de gerenciamento, a presidente Dilma foi incapaz de perceber com uma antecedência adequada o tamanho da tempestade que se formava ao seu redor. Ela acreditou que o desafio principal no início do segundo mandato era de natureza econômica, quando na verdade era essencialmente político. Ela procurou atenuar o enfrentamento político que se mostrava inevitável e trouxe esse enfrentamento para mais perto de si, para dentro do próprio Palácio do Planalto.

DPO: Como assim, por que se chegou ao quadro atual, onde a presidente não conseguiu sequer uma base parlamentar mínima para impedir a continuidade desse processo de impeachment?

José Medeiros da Silva: A presidente trouxe para compor o seu segundo governo segmentos econômicos que a combatiam, ou melhor, que enfrentavam o núcleo do projeto de poder de sua base política. Foi como se levasse um cavalo de madeira cheio de soldados para a cidadela de Troia. Ela desejava construir uma maioria parlamentar sólida para poder aplicar seu plano de governo. Isso é até compreensível. Mas como você disse, ela não conseguiu montar nem mesmo uma minoria sólida suficiente para impedir esse processo de impeachment. A realidade costuma ser muito mais dura do que as vontades. Isso aconteceu com Dilma no início do segundo mandato. As consequências dessa leitura equivocada da conjuntura política nacional e internacional resultaram na situação atual. Penso que a presidente só veio a acordar para a dimensão do abismo que a cercava quando o estrategista maior de sua base política, o ex-presidente Lula, foi intimado para depor de forma coercitiva, no dia 03 de março. Ela, que nos primeiros meses do seu segundo mandato manteve uma certa distância da base social que a elegera, foi obrigada a recuar. Mas aí o estrago já estava feito. Em uma guerra, se você não se prepara bem para um processo de retirada, corre o risco de perder muitos soldados e desperdiçar muito material de combate.

DPO: A presidente não conseguiu dimensionar adequadamente a força da oposição, é isso?

José Medeiros da Silva: Em parte, é isso. Eu diria que ela não conseguiu dimensionar a oposição real ao seu projeto de governo. Identificou apenas a oposição aparente, na figura do PSDB, do senador Aécio Neves, derrotado por ela e por Lula nas últimas quatro eleições presidenciais. Mas essa era e é uma oposição cada vez mais frágil, sem um projeto capaz de construir uma unidade nacional mais ampla. Ela tem se mostrado uma oposição sem operadores eficientes capazes de aplicar a linha econômica de determinados grupos nacionais e internacionais. É uma oposição fundamentada em caciques políticos que se digladiam entre si por projetos pessoais ou muito restritos. O seu poder agora é apenas o de turvar as águas para que outros consigam pescar os peixes. Apesar dela desejar pescar um peixe grande, seu anzol só consegue pescar sardinhas. Inicialmente, o PSDB pensou que com o afastamento da presidente Dilma uma nova janela se abriria para que ele voltasse ao comando do poder central. Isso logo se mostrou ilusório, pois tinha um Temer com todo o PMDB no meio do caminho. Não apenas no meio do caminho, mas já com um pé e meio dentro do próprio governo. A oposição real era e é outra. É formada por setores ligados à grande mídia e ao capital financeiro especulativo, nacional e internacional. Esses querem permanecer ocultos para melhor defender seus interesses econômicos e impor sua visão de mundo.


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