Por Ding Gang
Comecei a trabalhar no Brasil no verão de 2013, quando a economia do país estava ainda em ascensão. Porém, em pouco tempo me apercebi que havia algo errado com o país.
Reparei na altura que o preço do iPhone era especialmente alto no Brasil. Um iPhone4 custava acima de 1,000 dólares, ou seja, quase o dobro do preço pago pelo dispositivo nos EUA e, possivelmente, o mais caro no mundo todo.
Na renda mensal havia um custo adicional de 70 dólares diários reservados à senhora negra idosa – parte do grupo mais desfavorecido do Brasil – que fazia a limpeza todas as semanas. Esta tarifa era cobrada independentemente de usufruir do serviço ou não, sendo que as empregadas domésticas têm de permanecer nas casas por 3 horas.
Os iPhones são caros devido ao forte protecionismo do Brasil. Elevados impostos são cobrados para produtos que não sejam fabricados no Brasil. A tarifa de limpeza destina-se a assegurar empregos para os desprivilegiados.
Ambas as taxas indicam que o setor manufatureiro brasileiro é frágil e inadequadamente aberto, com pouca competitividade, sendo que os mais pobres no país dependem de políticas sociais. Este tipo de medidas coloca países em desenvolvimento, como o Brasil, numa encruzilhada em que um setor manufatureiro titubeante e serviços básicos com preços inflacionados erodem a competitividade económica.
A outrora estrela dos BRICS é agora apoquentada pelo colapso económico. Porém, os analistas focam-se essencialmente em fatores de ordem política e económica, preterindo para segundo plano o ímpeto insustentável de desenvolvimento causado por um poder de manufatura definhado.
Comparando com os restantes países da América Latina, a economia asiática tem a capacidade de conduzir o desenvolvimento económico mundial e continua a operar de modo satisfatório, mesmo com os revessos do abrandamento da economia mundial. Isto deve-se essencialmente à robustez do poder manufatureiro daquele continente. A história económica comprova que a industrialização é, porventura, o único caminho a seguir para os países - salvo nações de tamanho muito reduzido - que queiram dar o salto de um PIB reduzido a um rendimento anual mais alto. Apenas esta via permite que grandes números de uma população rural empobrecida tenham acesso ao caminho que os dirige até à classe média. Uma indústria robusta permite a estas pessoas tornarem-se disciplinadas e organizadas, lutar pelos seus direitos através de sindicatos de comércio, e permitir à sociedade desenvolver-se de forma equitativa.
Porém a manufatura não depende apenas de políticas governamentais. Depende também da cultura. Alguns países não conseguem fazer a transição para a indústria devido a questões culturais. A população pobre carece de conhecimentos ou de uma pré-disposição para esta natureza de trabalhos. É difícil imaginar os brasileiros a manterem-se numa linha de produção horas a fio sem uma pausa, como os jovens chineses do campo fazem.
No caso do Brasil, o governo usou os lucros provenientes da exportação de matérias-primas para subsidiar a classe pobre quando a economia era dinâmica. Esta situação, porém não incentiva necessariamente estas pessoas a procurarem um emprego e a melhorarem as suas capacidades técnicas. Através da atribuição de subsídios, os pobres podem ter acesso a condições básicas, mas não aumentam necessariamente as suas qualificações. Quando o orçamento aperta, a população “vota com os pés”.
Os países asiáticos que ainda não consumaram a transição para a industrialização enfrentam um problema semelhante: o dilema de edificar uma classe média para os pobres através do setor da manufatura, ao invés de serviços de nível inferior.
Com a queda na produção, a China precisa de encontrar novas formas de redirecionar parte da sua reduzida força laboral a reentrar no setor industrial, através de campanhas de formação e pequenos créditos, ao invés de os encorajar a manterem-se em tarefas de valor virtualmente nulo para o cenário económico do país.
Os asiáticos são tradicionalmente diligentes – um requisito básico para a industrialização. Precisamos agora de canalizar o capital no setor manufatureiro através de políticas que promovam a abertura e a circulação industrial, restruturando toda a cadeia. Este deverá ser um objetivo essencial da iniciativa “Um Cinturão e uma Rota”.
(O autor é um editor sénior do Diário do Povo, e atualmente está associado ao Instituto Chaoyang para Estudos Financeiros da Universidade Renmin.)