Por Rui Lourido,
Rui Lourido, presidente do Observatório da China
As populações da China e da União Europeia (UE) representam mais de um quarto da população mundial. A República Popular da China e a Comunidade Económica Europeia, atual UE, estabeleceram relações diplomáticas oficiais em 6 de maio de 1975 e, ao longo destes 50 anos, têm sempre encontrado formas responsáveis de contribuir para a estabilidade social e económica mundial.
Perante as profundas alterações geopolíticas e económicas que, paulatinamente, têm contribuído para o reforço do mundo multipolar, desafiando a hegemonia de uma única potência, a China tem criado condições para o debate regular e pacífico dos temas internacionais mais relevantes e respetivas discordâncias, nomeadamente nas relações da China com a União Europeia. A cimeira de celebração do 50º aniversário das relações diplomáticas entre a Europa e a China ocorrerá em Beijing a 24 de julho de 2025, num contexto de acelerada modernização, desenvolvimento tecnológico e científico, e de uma maior abertura da China ao investimento direto estrangeiro, em novas áreas da economia chinesa. A Comissão Europeia quer discutir o controle da exportação chinesa de terras raras, os desequilíbrios de acesso ao mercado (incluindo produtos sanitários e fitossanitários, cosméticos e farmacêuticos), bem como o acesso dos veículos elétricos e das baterias chinesas ao mercado europeu e o alargamento das importações chinesas de carne de porco, produtos lácteos e aguardentes da UE.
A energia criativa do povo chinês, enquadrada pelas estruturas sociais e políticas do Estado Chinês, permitiu uma rápida recuperação económica da China após a COVID-19, o que contribuiu, determinantemente, para atenuar a recessão económica europeia. Em simultâneo, o papel da China nas cadeias de abastecimento das economias do G7 cresceu.
No entanto, a retórica anti China (decoupling) dos governos dos EUA, da UE e do Reino Unido (de-risking) agravou-se em 2023 e 2024, sob o pretexto de tentar pressionar a China a abandonar a sua neutralidade em relação à guerra na Ucrânia e alterar a sua posição de condenação do genocídio de Israel na Faixa de Gaza e das guerras de expansão de Israel no médio oriente.
A Comissão Europeia e alguns governos europeus, tradicionalmente seguidistas dos interesses dos EUA, têm-se submetido acriticamente à retórica anti China e às pressões e chantagens dos sucessivos governos dos EUA, as quais visam tentar impedir o desenvolvimento e neutralizar a China como concorrente comercial e económico através de sanções unilaterais, violando as regras da Organização Mundial do Comércio. Assim, a UE passou a designar a China como “rival sistémico”, esquecendo frequentemente os interesses da sua população em geral e dos empresários europeus em particular. As tensões UE-China têm vindo a ser alimentadas por diversas questões concretas, nomeadamente ao nível da produção industrial chinesa, inovadora e tecnológica, acusada de demasiado eficiente (“produzindo em excesso” e a “preços inferiores aos do mercado europeu”). A produção de aço, de veículos elétricos e de baterias são exemplos de produtos objeto desta pressão. A reação da UE tem-se concretizado através de aplicação de taxas alfandegárias antidumping sobre diversos produtos chineses, conduzindo a medidas igualmente retaliatórias de tarifas chinesas sobre alguns produtos europeus.
Contudo, há sinais encorajadores de uma mudança conjuntural da elite governante europeia que, perante a atual guerra de tarifas dos EUA à Europa, tem levado o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a declarar uma maior abertura da UE a aprofundar as relações económicas com a China, de forma a compensar a eventual retração das relações entre a UE e os EUA, bem como a perda do mercado da Federação Russa.
O atual agravamento da guerra de tarifas à UE tem levado mais líderes governamentais europeus, nomeadamente de Portugal, Espanha, França e Alemanha a visitarem a China para aprofundar a cooperação económica. Neste contexto, a Parceria Estratégica Abrangente entre a China e a União Europeia, estabelecida em 2003, ganhou maior relevância no atual contexto internacional.
No passado mês de junho, a Comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento Francês adotou um relatório sobre as relações Europa-China, onde critica a UE de estar excessivamente alinhada com os interesses dos EUA em detrimento das relações com a China.
A União Europeia descreve a sua política face à China como multifacetada. Em 2024 a China foi o 3º maior parceiro da UE, quer em mercadorias quer em serviços. Por outro lado, a UE é o principal parceiro comercial da China. Segundo os dados do Conselho da União Europeia, em 2024, o comércio entre a UE e a China excedeu 845 biliões de Euros, o que representou quase um terço do comércio global, quer a nível de mercadorias quer de serviços. Em percentagem representou cerca de 29.6% do comércio global e cerca de 34.4% do Produto Interno Bruto. Sendo que a importação de mercadorias da China foi de 519 biliões de euros e de serviços foi de 45.5 biliões de Euros. As exportações de mercadorias para a China atingiram o valor de 213.2 biliões de euros e as exportações de serviços foram de 67.3 biliões de Euros.
Em 2024, as importações europeias da China aumentaram 102% e as exportações para a China cresceram cerca de 47%. As mercadorias chinesas mais importadas pela UE foram nos setores das telecomunicações, áudio-equipamentos, máquinas de escritórios (como os computadores), maquinaria elétrica, entre outros. As mercadorias europeias mais exportadas para a China foram maquinaria, motores de carros e de outros veículos.
A China desempenha um papel essencial na estabilidade e promoção da economia mundial. Como a segunda maior economia do mundo, contribuiu, em 2024, com mais de 30% para o desenvolvimento e estabilidade da economia mundial.
No que respeita ao combate às alterações climáticas consideramos ser vantajoso para a UE compartilhar conhecimento e investimentos com as empresas chinesas que tem vindo a inovar, nomeadamente, na tecnologia dos motores e baterias dos veículos elétricos, na produção de energias verdes e no enorme incremento da reflorestação sustentável feita na China.
As relações intercivilizacionais China-Europa são milenares. A Europa foi influenciada mais diretamente pela civilização chinesa, através dos navegadores portugueses, com acesso direto a novas tecnologias e inovações chinesas, como o papel, a pólvora, o chá, a seda e a porcelana, e ao pensamento filosófico chinês que influenciou o Iluminismo europeu. A Europa também contribuiu com inovações como a máquina a vapor e novas plantas vindas de outros continentes, como o milho e a batata.
A Europa deve considerar a China como um parceiro e não como uma ameaça, promovendo o reforço das relações económicas e culturais mutuamente benéficas. O respeito mútuo e o diálogo intercultural são relevantes na promoção dos estudos chineses na Europa, na organização de bibliotecas digitais, na realização de conferências, exposições e espetáculos. O diálogo económico e cultural fortalece as sinergias entre a Europa e a China nas sociedades multiétnicas e multiculturais.
A diplomacia chinesa considera que, apesar das diferenças entre a China e a Europa, não existem interesses inconciliáveis. A relação entre ambos se tem mantido estável ao longo das décadas por meio do respeito mútuo e do diálogo para a superação das divergências. Segundo as autoridades chinesas, o aprofundamento da parceria estratégica global atende aos interesses das nações e contribui para a estabilidade mundial.
O autor é o presidente do Observatório da China
Fonte: CMG