O possível acordo que o Mercosul e a União Europeia negociam há décadas é prejudicial para a indústria brasileira e um dos motivos das críticas ao pacto entre ambos os blocos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem fazendo há meses.
Apesar das pressões europeias para assinar o acordo, o governo brasileiro tem elevado o tom de suas críticas ao tratado e o próprio Lula qualificou alguns pontos do acordo como "inaceitáveis" ou "ameaça" para o Brasil.
Segundo especialistas consultados pela Xinhua, os termos do acordo minam o projeto de industrialização do Brasil defendido pelo governo Lula e representam mais a proposta de ampla liberalização comercial promovida pelo governo anterior de Jair Bolsonaro.
"Este acordo significa facilitar a abertura de mercados para a indústria avançada europeia, leia-se Alemanha, e, por outro lado, fortalecer a agro exportação brasileira de produtos não processados. Não há transferência tecnológica. É como se Brasil não tivesse direito a se industrializar", explicou o professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC de São Paulo (UFABC), Giorgio Romano.
Para ele, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que vem sendo negociado há mais de 30 anos, progrediu consideravelmente durante o governo Bolsonaro porque prevaleceu o entendimento de que a liberalização total do comércio exterior era o objetivo a alcançar.
"Os europeus querem este acordo que foi negociado com os ultraliberais do governo de Michel Temer e de Bolsonaro, apesar de não gostarem da imagem de Bolsonaro, mas (esse acordo) não seria aprovado no Congresso e teria uma ampla oposição da opinião pública", prognosticou Romano, para quem os europeus estavam fazendo rodeios para evitar a assinatura do acordo com Bolsonaro, que consolidou uma imagem negativa com relação aos mecanismos de proteção ambiental.
Quem também considera que o acordo nos termos atuais é prejudicial para o Brasil é o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Pedro Paulo Bastos, que o definiu como assimétrico por favorecer ao bloco europeu, além de abrir os setores de serviços e indústria do Brasil.
"Não é imediato, mas o acordo tem um prazo para eliminar as tarifas alfandegárias em vários segmentos ou para reduzir fortemente as taxas em todos os setores", comentou.
Para Bastos, o governo brasileiro considera básico poder estimular novas indústrias que necessitam de um certo grau de proteção: "Por exemplo, a indústria de software, da biotecnologia, as indústrias de vanguarda. Não se pode importar ilimitadamente, muita gente depende do emprego da indústria, entre outras coisas, porque nem todo mundo pode trabalhar em uma lavoura de soja, que emprega muito pouco", ressaltou.
Uma das críticas feitas pelo governo brasileiro é com relação às concorrências públicas, que, pelo acordo, abririam para a participação das empresas europeias.
"Querem que o governo brasileiro compre coisas estrangeiras em vez de brasileiras. E se não aceitam a posição do Brasil, não há acordo. Não podemos renunciar às concorrências públicas, que é a oportunidade para que as pequenas e médias empresas sobrevivam neste país", afirma o presidente Lula.
Apesar das críticas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende o acordo comercial entre ambos os blocos.
Em um artigo publicado em maio deste ano, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, afirmou que "é urgente avançar para a assinatura do tratado em seu formato atual, sem reabrir as negociações comerciais. Esta deve ser uma prioridade para o Governo".
Segundo Andrade, com o acordo, a tendência é a diminuição dos custos dos insumos importados e aumento da demanda europeia de produtos industriais brasileiros.
"Nossas estimativas são que cerca de 40% de todos os produtos oferecidos à União Europeia no acordo - e que estão sujeitos a algum tipo de tarifas em suas alfândegas - deixarão imediatamente de ser taxados com impostos de importação ao entrar no bloco europeu", comentou.
Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil vive um processo de desindustrialização desde a década de 80. O peso da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 34% em 1984 para 10% em 2021.