Por Leonardo Sobreira
O vice-presidente Hamilton Mourão observou em maio deste ano que investimentos chineses no Brasil fogem do setor de infraestrutura para se concentrarem em energia elétrica. Dados do Conselho Empresarial Brasil-China mostram que, dos US$ 66 bilhões investidos pela China no Brasil entre 2007 e 2020, 48% foram para o setor energético, 28% para petróleo e gás, 7% para mineração e apenas 5% para infraestrutura, com o restante sendo dividido entre agricultura, pecuária e serviços financeiros.
Na ocasião, o general da reserva destacou o potencial de ganha-ganha no setor de infraestrutura, ponto rotineiramente enfatizado por Beijing na promoção da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), mesmo que ele tenha fechado as portas para uma adesão formal do Brasil ao programa.
“Temos que buscar esse investimento chinês, mostrando-lhes que investimentos em determinadas áreas da infraestrutura no Brasil vão beneficiá-los porque isso vai facilitar o escoamento da produção e, consequentemente, o barateamento dos produtos exportados para eles", disse Mourão, que chefiou o lado brasileiro na assembleia da Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação) deste ano. “Nós somos grandes produtores de alimentos, a China precisa de alimentos, então a gente precisa trabalhar o tempo todo em cima dessa questão”.
O Brasil está somente atrás da Venezuela em termos de créditos recebidos da China. Segundo dados do Diálogo Interamericano, o país bolivariano recebeu aportes totalizando US$ 62,2 bilhões entre 2005 e 2019, seguido pelo Brasil, com 28,9 bi. A China desponta para tornar-se o principal parceiro comercial da América Latina e do Caribe em menos de 15 anos, ultrapassando os Estados Unidos, segundo o Fórum Econômico Mundial (WEF).
Em relação a projetos ferroviários, a presença da China no Brasil é pontual. Cargas de trilhos fabricados na China desembarcaram em janeiro deste ano para construção do trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) entre os municípios de Caetité e Barreiras, na Bahia. A estatal brasileira Valec é responsável pela obra, que avança.
O mais emblemático talvez seja o projeto de construção da ferrovia ligando o Brasil ao Peru, a Bioceânica, que perdeu ímpeto nos últimos anos com a priorização da rota ao Chile e a construção de uma rodovia que corta Brasil, Paraguai, Argentina e Chile. O projeto tem custo estimado de R$ 40 bilhões e um estudo de viabilidade concluído pela China Railway Eryuan Engineering Group Co. (Creec).
Os impactos ambientais da ferrovia que cortaria o Parque Nacional da Serra do Divisor, área de conservação integral cobrindo boa parte da fronteira norte do Acre com o Peru, foram ventilados à época. Estudiosos então sugeriram possíveis novas rotas enfatizando o apaziguamento das tensões através de novas metodologias sofisticadas de inteligência geográfica, considerando fatores como encosta, comunidade nativa, concessionárias de mineração, agricultura, rodovias, arqueologia, usos de conservação abrangentes e usos de conservação sustentáveis.
Mais ativa no quesito ambiental e no combate à mudança climática nos últimos anos, a China vem se esforçando em estampar o selo verde em seus projetos de infraestrutura ao redor do mundo. A ferrovia que liga Mombasa a Nairóbi, no Quênia, por exemplo, corta o Parque Nacional Tsavo, o maior e mais antigo santuário de vida selvagem do país. Para conter o impacto ambiental da obra, cercas elétricas em ambos os lados da pista e passagens inferiores largas em intervalos curtos, permitindo a passagem de animais selvagens, foram erguidas. Ações de restauração também foram promovidas nos arredores da ferrovia, que vem colocando o país africano no caminho da industrialização.
A Coalizão Internacional de Desenvolvimento Verde da Iniciativa do Cinturão e Rota, estabelecida em 2019, é uma nova avenida para o estabelecimento de diretrizes de boas práticas ambientais em grandes investimentos chineses no exterior. Considerando a turbulência política que acomete a América Latina, a criação de diretrizes verdes acima da transitoriedade da política eleitoral torna os investimentos menos suscetíveis a má publicidade ao mesmo tempo em que continua a oferecer melhores oportunidades econômicas.
Nesse contexto, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o principal órgão planejador econômico da China, anunciou em março deste ano que a China pretende formar um padrão de desenvolvimento verde para o BRI até 2030. O plano é intensificar a cooperação em novas áreas, enquanto a China incentiva suas empresas de energia solar e eólica a "se globalizem" e promove veículos elétricos e planos de transporte inteligentes e de “logística verde”. As credenciais ecológicas dos investimentos chineses são a principal chave para destravar os projetos de infraestrutura no Brasil.