por João Veloso
Neste ano, juntei-me ao grandioso grupo de vários milhões de pessoas que, em todo o mundo, têm o privilégio de estudar Chinês.
Tenho ainda poucos meses de prática, mas posso dizer que, do ponto de vista pessoal e profissional, a aprendizagem desta língua me trouxe uma das experiências mais ricas da minha vida.
Eu sou linguista, sou professor de Linguística na Universidade do Porto, e durante toda a minha carreira estudei sobretudo o português, que é a minha língua materna, e outras línguas aparentadas com o português.
Por razões profissionais, tenho colaborado com a instalação do Instituto Confúcio na Universidade do Porto – e essa tem sido também uma das experiências mais significativas e mais importantes do meu trabalho e da minha vida, como linguista, como professor e como pessoa.
Trabalhar com o pessoal chinês do Instituto Confúcio do Porto e com os colegas das nossas instituições parceiras foi uma das razões que me levaram a inscrever-me nas aulas de Mandarim, mas houve outras razões para esta opção.
Há muito tempo que alimento uma admiração muito especial pela cultura chinesa. Tive, na infância, muitos amigos macaenses e cresci, por razões que agora não vou recordar, rodeado de inscrições com caracteres chineses cuja beleza e cujo mistério sempre me fascinaram. Sempre gostei de artes marciais orientais, de ler livros passados na China, de comer comida chinesa, de ouvir música chinesa… Mais tarde, as visitas que pude fazer a várias cidades da China deram-me a conhecer um país que eu já admirava e que aprendi a apreciar de forma cada vez mais direta e mais intensa.
A minha vontade, pessoal e profissional, de estudar uma língua tão diferente das línguas que já conhecia anteriormente encontrou então, nestes últimos meses, uma conjugação de motivos e de motivações para realizar finalmente um sonho antigo.
Não é segredo que, para conhecermos bem um país, um povo, uma cultura, é imprescindível perceber o código linguístico no qual, noutras paragens, se traduzem os pensamentos e as emoções, as trocas, os debates e os ensinamentos.
Foi assim que dei o passo de começar a ter aulas de Mandarim no Instituto Confúcio na Universidade do Porto, o que está a ser, como já disse, uma experiência que superou todas as minhas expectativas iniciais. Tenho tido aulas muito boas e a aprendizagem de uma língua como a língua chinesa tem-se revelado uma fonte constante de estímulo intelectual, de desafio cognitivo, de aprendizagem intensa e também de muito prazer.
Sinto – ou melhor: tenho a certeza de que – o acesso mais direto à literatura, à informação e ao mundo de língua chinesa através da aprendizagem deste idioma me tornará mais próximo e mais íntimo desse grande país que é a China, um país que sabe honrar o seu passado, construir o seu presente e preparar o seu futuro de um modo sábio e frutífero.
Trabalhando de perto com instituições e com colegas chineses, visitando diretamente as cidades e as universidades da China, pude ver como o Ocidente conhece afinal muito pouco (e muito mal) essa grande nação e esse grande povo.
No Ocidente, tendemos a pensar na China sobretudo como um país rico em antiguidades. É certo que a China pode orgulhar-se de uma cultura milenar, de uma língua e de um sistema de escrita que, ao longo dos séculos, construiu uma visão filosófica do mundo com um valor interpretativo muito profundo. O povo chinês pode orgulhar-se da arte, da literatura, da filosofia e da ciência que lhe permitiram a construção de uma civilização única sem a qual o mundo, hoje, seria um mundo amputado.
Mas a China pode orgulhar-se também, e muito – muitíssimo! –, do seu presente. O que eu admiro muito na China é a forma como um país com a sua dimensão geográfica e demográfica conseguiu, efetivamente, erradicar a fome, a pobreza, o analfabetismo e o desemprego. Pacificamente, sem querer impor-se pela força a nenhum país próximo ou distante, a China construiu uma sociedade produtiva e rica. Harmonizando valores ancestrais com o progresso moderno, a China deu prioridade àquilo que outros países do mundo deveriam aprender a fazer também: a prosperidade do povo; o investimento na saúde, na educação, na ciência, na tecnologia e na cultura; a dignificação do trabalho e do estudo; a preservação de valores como a honra, a seriedade, a honestidade, o civismo, a disciplina, a responsabilidade e o respeito pelo bem comum.
Eu fui educado a respeitar o trabalho e a aprendizagem como fontes fundamentais da dignidade humana. Na China, encontrei esse valor elevado a um patamar absoluto e pacificamente integrado no quotidiano das pessoas que se sentem parte de uma obra em construção, contribuindo cada qual com o seu esforço. Quando estou na China ou quando trabalho com colegas e amigos chineses fora da China, gosto de pequenos grandes detalhes como o brio, o sentido de dever, a pontualidade, a responsabilidade, a cortesia e a humildade com que as pessoas se juntam em torno do mesmo objetivo, se respeitam e se empenham para remarem juntas em direção a um objetivo comum de que todos beneficiam.
Também gosto muito de pensar naquilo que, há muitos séculos, aproxima chineses e portugueses. Apesar de todas as inevitáveis diferenças que países e povos geográfica e culturalmente tão distantes têm de ter, vejo sempre com agrado que, em coisas muito essenciais, o que valorizamos em Portugal e na China são frequentemente as mesmas coisas simples e importantes (simplesmente importantes e importantemente simples). Portugueses e chineses usam a mesma palavra – “chá” – para designar a bebida mais reconfortante do mundo e foi da China que os portugueses trouxeram a bebida e a palavra e as deram a conhecer a tantos outros povos e países deste lado do mundo. Chineses e portugueses têm o mesmo amor à paz, à hospitalidade. Chineses e portugueses dão o mesmo valor à família e à casa, à língua e aos poetas, à comida e às refeições como ocasiões de convívio, de abertura e de fraternidade.
O chinês e o português contam-se entre as línguas mais faladas no mundo. Muitos chineses estudam Português na China, em Portugal e noutros países (nomeadamente, como é óbvio, noutros países de língua portuguesa). De forma pouco compreensível, até há bem pouco tempo o interesse dos portugueses pelo estudo da língua chinesa – e também pelo estudo da história da China, da literatura e da cultura da China, da atualidade da China –, ou, pelo menos, as oportunidades para em Portugal se estudar a língua e a realidade chinesas, eram relativamente escassas. Registo com muita alegria e com muita satisfação que essa situação está a mudar. Hoje, cada vez mais universidades, institutos politécnicos, escolas e outras instituições oferecem cursos de Chinês em Portugal. Hoje, cada vez mais portugueses procuram aprender esta língua tão bonita e tão única e que fomenta laços de proximidade e de amizade com um país tão fértil como a China.
Como já afirmei antes, a partilha das línguas é um primeiro passo para a partilha de muitos outros valores preciosos. Quanto melhor conhecermos e estudarmos o chinês, mais e melhor conheceremos esse povo há quinhentos anos amigo dos portugueses que é o povo chinês. Fico muito feliz por poder contribuir simultaneamente para o aumento do número de chineses a estudar Português e para o aumento do número de portugueses que aprendem Chinês. Considero esta coincidência uma grande sorte na minha vida e, assim como me regozijo pela quantidade e pela qualidade de especialistas de Português na China, faço votos muito fortes e muito sinceros para que o número de sinólogos portugueses cresça de ano para ano e de dia para dia.
Por todas estas razões, associo-me com alegria e com amizade aos festejos do Dia Mundial da Língua Chinesa. O facto de a ONU, a organização em que todos os países estão em pé de igualdade na defesa da paz e da compreensão entre os povos, ter escolhido o mandarim como uma das suas línguas oficiais e ter adotado um dia para celebrá-lo é uma prova do valor que esta língua deve ter – melhor dito: que esta língua tem! – para a Humanidade; e é um indício de como à China cabe um papel insubstituível no progresso do mundo.
Com todo o respeito pelos poetas e pelos artistas que elevaram esta língua, por todos os filósofos e cientistas que com ela expuseram pensamentos que iluminam a nossa existência, por todos os sábios que a estudaram e, sobretudo, com todo o respeito e admiração pelo povo que, unido por esta língua, construiu, com esforço e com sacrifício, um país tão admirável, desejo a todos os falantes e a todos os estudantes de Chinês um Feliz Dia Mundial da Língua Chinesa.
(O autor é o Diretor Português do Instituto Confúcio na Universidade do Porto, Professor e Pró-Reitor da Universidade do Porto)