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Sorrisos e lágrimas dos produtores de soja diante do protecionismo dos Estados Unidos e volatilidade do mercado

Fonte: Xinhua    28.09.2018 08h33

Beijing, 27 set (Xinhua) -- Como muitos agricultores do município de Maringá, no estado do Paraná (sul do Brasil), Manoel Marques, de 65 anos, decidiu ampliar sua área de cultivo de soja de 6.800 para 7.100 hectares durante o ciclo 2018-2019, que se inicia em outubro próximo.

Em uma situação inversa, a 8.500 quilômetros ao norte, o agricultor americano Don Lutz, de Scandinavia, no estado do Wisconsin, está preocupado com sua atual safra de soja e começa a pensar em cultivar outros produtos no próximo ciclo.

Devido à alta volatilidade do mercado internacional originada pelas medidas protecionistas dos Estados Unidos, os grãos de soja podem fazer uns sorrirem e outros chorarem.

Os Estados Unidos enfrentam a possibilidade de perder mercado chinês. A China começou a importar soja do país desde 1996 e se converteu nos últimos anos no principal destino das exportações da oleaginosa americana.

Lutz, que também tem 65 anos, se lembra do rápido crescimento da demanda chinesa pela exportação de soja americana durante a última década.

"Há dez anos, de cada quatro fileiras de soja que eu plantava, uma era exportada para a China. Agora, a exortação aumentou para uma em cada três", conta Lutz , fitando seus grãos quase maduros .

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, por suas siglas em inglês) estimou em agosto que a produção local de soja para a temporada 2018-2019 baterá seu recorde e chegará a 4 bilhões e 586 milhões de alqueires.

Não obstante, Lutz está preocupado com a possibilidade de perder o mercado chinês devido as tarifas adicionais de 25% impostas por Beijing, em represália à decisão tomada em julho por Washington de impor tarifas adicionais sobre os artigos chineses avaliados em US$ 50 bilhões.

Como consequência, o preço da soja na Bolsa de Mercadorias l de Chicago, a maior do gênero no mundo, caiu em 20%, chegando ao seu menor valor dos últimos dez anos.

O porto de Long Beach também sentiu o impacto. Localizado no sul do estado da Flórida, o porto tem a China como seu principal sócio comercial e é uma das principais portas de saída da soja para a China.

Segundo Noel Hacegaba, subdiretor executivo da Administração e Operação do Porto de Long Beach, o volume de carga pode cair em até 20% se as disputas comerciais entre China e Estados Unidos se intensificarem.

BRASIL APOSTA EM PREENCHER O VAZIO

Por outro lado, o preço da soja brasileira se elevou em mais de 15% em relação ao ano passado, graças a uma demanda maior do mercado chinês.

De acordo com as estatísticas do ministério da Agricultura do Brasil, a exportação da oleaginosa brasileira para China nos primeiros sete meses chegou a 43,9 milhões de toneladas, 80,6% da exportação total.

Diante da oportunidade histórica oferecida pela China, Marques decidiu ampliar o cultivo da soja.

"No ciclo 2017-2018, ampliamos o cultivo em mais 4% e tivemos um bom lucro. Para o novo ciclo, vamos ampliar até 7.100 hectares, um aumento de 4,4%", disse a Xinhua.

Segundo um estudo realizado pelo Ministério da Agricultura e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), nos próximos dez anos, a produção de soja no Brasil chegará a 156 milhões de toneladas, o que equivale a um aumento de 30%.

Além disso, o estudo projeta que a importação da soja brasileira alcançará 96,5 milhões de toneladas, sendo que 70% desse grão irá para a China.

O presidente Silceu Dalberto, da Cotrimaio, uma cooperativa agrícola estabelecida no estado do Rio Grande do Sul, compartilha a ideia de Marques e também quer aumentar seu cultivo em 3,5%.

Visando dedicar-se mais ao mercado chinês, a Contrimaio quer abandonar os distribuidores internacionais e buscar diretamente os compradores chineses para estabelecer uma cooperação de longo prazo.

Segundo Wang Guoliang, sócio da Cotrimaio na China, os compradores locais e os produtores brasileiros podem estabelecer um mecanismo de cooperação, no qual a parte chinesa fornecerá os fertilizantes e a parte brasileira exportará a soja.

"Atualmente, as exportações da soja brasileira são controladas pelos principais distribuidores internacionais, mas este panorama mudará com o rápido aumento do comércio de soja entre a China e o Brasil", prevê Wang.

EFEITOS DISTORCIDOS

Para Virginia McGathey, analista de mercados agrícolas da CME, os agricultores americanos de soja se converteram em vítimas das disputas comerciais entre China e Estados Unidos, enquanto o Brasil e seus produtores ganharam uma oportunidade sem precedentes.

"Agora é o momento perfeito para que Brasil exporte mais soja para China e aprimore sua infraestrutura e competitividade com os novos lucros. Isso significa que o Brasil terá mais condições e munição para superar os Estados Unidos como o maior produtor mundial de soja", explica McGathey.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja), Bernardino Braz, também considera que o protecionismo dos Estados Unidos pode ampliar as vendas da soja brasileira na China.

"O que necessitamos é ter uma maior credibilidade no futuro, mais alianças para manter o crescimento, uma relação mais firme. Como vamos substituir o mercado americano? Podemos fazê-lo a médio e longo prazo, mas para isso, temos que ter confiança", avalia Braz.

Não obstante, na opinião de Marcos Jank, diretor-executivo da Asia-Brazil Agro Alliance, nem todos os setores do Brasil podem se beneficiar do protecionismo americano.

"Parece que o segmento da oleaginosa vai ser beneficiado, mas a subida do preço aumentará o custo da pecuária e reduzirá a competitividade dos derivados da carne brasileira no mercado internacional", advertiu Jank.

Para o especialista em agronegócios, as disputas comerciais originadas pelo protecionismo dos Estados Unidos vão distorcer a cadeia de fornecimento global e aumentar a incerteza do mercado internacional.

Para compensar as perdas de seus agricultores, o Governo dos Estados Unidos oferecerá em breve um pacote de ajuda de US$ 12 bilhões, contudo essa medida vem sendo rejeitada pelos próprios produtores que preferem o livre comércio à uma indenização sem perspectivas.

"Não quero compensação do Governo. Quero o mercado chinês", afirma Lutz.

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