BEIJING, 27 de maio (Diário do Povo Online) - Se é verdade que a história das nações é cheia de curvas, a política brasileira tem demonstrado que seu caminho tem sido muito mais tortuoso do que muitos podiam imaginar. Para o professor Dr. Antonio Marcelo Jackson F. da Silva, Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (MG), a crise brasileira, esse verdadeiro labirinto onde o país se encontra, não se dá sem motivos. Patrimonialismo, presidencialismo de coalizão e a forma como os parlamentares são eleitos são algumas dessas razões. Veja abaixo o artigo exclusivo do Prof. Antonio Silva para o Diário do Povo Online.
Professor Dr. Antonio Marcelo da Silva
Se há algo que espanta a inúmeras pessoas pelo mundo são as motivações da crise política que ora o Brasil enfrenta. Primeiro, porque, em princípio, o país vivia um período de expansão tanto econômica quanto de melhorias sociais, o que não forneceria espaço para um desequilíbrio de qualquer espécie. Em segundo lugar, porque, até prova contrária, um dos elementos que serve de indicador para algum descompasso é a ausência ou quebra de eleições regulares – o que também não tem acontecido. Assim, qual o porquê da crise?
Pode-se dizer que, para encontrarmos as motivações desse revés no cenário político brasileiro, seja necessária uma explanação que transite tanto nos aspectos especificamente políticos, quanto nos arranjos sociais.
O Patrimonialismo
Nesse sentido, um dos primeiros problemas que identificamos é aquilo que a sociologia denomina de patrimonialismo, a saber, quando as pessoas não distinguem o espaço particular do espaço público e entendem que tudo aquilo que deveria ser comum a todos (uma coisa pública, portanto) pode ser usufruído como algo privado. Alguns exemplos simples: alguém fecha uma rua para realizar uma festa de amigos; um outro pouco se importa com a limpeza do espaço aonde trabalha; outro, por fim, apesar de ser um servidor público, utiliza dos recursos de seu trabalho apenas para interesse individual. Tais ações são itens de uma sociedade patrimonialista e isso, lamentavelmente, é uma das características da sociedade brasileira identificada e estudada desde a publicação do livro “Raízes do Brasil”, do historiador Sérgio Buarque de Holanda, em 1936.
Das Relações Políticas
Deixando circunstancialmente a análise sociológica, o segundo problema refere-se às relações políticas. No ano de 1988, depois de um longo período de problemas internos, foi elaborada uma nova Constituição para o país e havia um intenso debate se o Brasil continuaria em um regime presidencialista ou se faria a opção pelo parlamentarismo. Como tal escolha necessitaria de um plebiscito, uma parte significativa dos parlamentares conseguiu implantar na nova Lei Máxima um regime com características de ambos os modelos, denominado de “presidencialismo de coalizão”. Tal regime teria como regra principal a necessidade constante do Chefe do Poder Executivo negociar com a Câmara de Deputados e o Senado praticamente todas as suas ações – bem se assemelhando ao parlamentarismo -, sem, entretanto, existir a figura de um primeiro-ministro ou da derrubada do parlamento. Somente ela, a Presidência da República, é que poderia cair por intermédio de um processo de impedimento (“impeachment”).
Tal modelo político exigia, por assim dizer, um Presidente da República que possuísse enorme capacidade de barganhar com deputados e senadores ou que, de algum modo, conseguisse controla-los. Fernando Collor de Mello, eleito presidente do Brasil em 1989, não conseguiu atingir seu objetivo e, no final de 1982, renunciou antes de ser julgado; Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva atingiram o objetivo utilizando diversas vezes de atitudes muito pouco republicanas. Dilma Rousseff demonstrava, já em seu primeiro mandato, que o controle sobre o legislativo escapava de suas mãos. E isso se confirmou por completo logo no começo do seu segundo mandato, iniciado em janeiro de 2015.
Eleição proporcional e as coalizões partidárias no Brasil
Como terceiro e último item temos a chamada eleição proporcional e as coalizões partidárias no Brasil. Como o país tem a população desigualmente distribuída pelo território, optou-se por uma distribuição também desigual no número de deputados por cada estado (mínimo de oito e máximo de setenta deputados federais). Em princípio percebe-se um bom fundamento nessa fórmula. Contudo, com o passar do tempo, inúmeros fatores permitiram a criação de novas fórmulas somadas à eleição proporcional. A principal delas seria a coalizão partidária. De acordo com a proposta, dois ou mais partidos podem somar forças em uma eleição, e como que para fortalecer a referida aliança, os votos dos candidatos de uma agremiação partidária podem migrar para outro, tornando possível a seguinte situação: o eleitor escolhe um candidato de um partido e, sem saber, elege o candidato de outro partido. Apenas para que o leitor possa compreender, na Câmara dos Deputados Federais nos dias de hoje, de um total de 513 deputados, apenas 35 representantes foram eleitos com seus próprios votos: 478 tomaram posse recebendo votos de outros candidatos.
Vamos reunir os três aspectos citados. Imagine, prezado leitor, um deputado que somente foi eleito porque recebeu votos de outros candidatos; imagine que esse deputado seja um brasileiro comum, que entenda a coisa pública como um bem particular, enfim, que ele seja patrimonialista; imagine, por fim, que esse deputado, sem vínculos eleitorais diretos e agindo de forma patrimonialista se veja em condições de negociar com a Presidência da República. Temos assim a origem da crise política brasileira.
Se buscarmos uma metáfora para explicar a cena atual do país, a melhor figura é a de um labirinto. Isso porque permitir a ação patrimonialista e a coalizão partidária em um presidencialismo de coalizão é criar, sem embargo, um espaço onde todos tendem a se perder, lamentavelmente.
Edição: Rafael Lima