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Milton Pomar: "A China é um exemplo de que algumas coisas podem dar certo de maneira diferente"

Fonte: Diário do Povo Online    18.06.2024 11h30

Por Lu Yang, Mauro Marques

Milton Pomar, consultor para as relações Brasil-China, escritor e palestrante

Milton Pomar, consultor para as relações Brasil-China, escritor e palestrante, visitou recentemente a China para participar do Salão Internacional de Alimentação, em Shanghai, e de uma feira de alimentos orgânicos em Guangzhou. Durante a sua estadia no país, concedeu uma entrevista ao Diário do Povo Online.

Com 65 anos de idade, o entrevistado pertence a uma família cujo assunto "China" foi e continua a ser uma constante ao longo da vida.

Seu avô, Pedro Pomar, foi deputado federal do PCdoB e visitou a China em 1956, tendo sido recebido em audiência pelo então primeiro-ministro Zhou Enlai.

O pai, Wladimir Pomar, além de ter organizado a viagem da primeira comitiva oficial do PT à China, em 1984, manteve-se ligado às relações bilaterais ao longo de sua vida, especialmente após o "boom do governo Lula", devido à influência, como refere o entrevistado.

São "60 anos convivendo com o assunto China. Conversando sobre a China, conversando sobre os seus líderes, conversando sobre o povo chinês", afirma.

Passados quase 30 anos desde pisar o solo chinês pela primeira vez, em 1997, várias mudanças ocorreram. Pomar confessa que o mais o impressionou inicialmente foi a quantidade de bicicletas nas ruas da capital: "Beijing tinha muita bicicleta... Eu tinha até medo de ser atropelado por bicicleta!", afirma, entre risos, constatando que o principal meio de transporte de então, foi entretanto substituído pelo automóvel e pelas motas elétricas.

"É um detalhe, mas acho que é um detalhe significativo porque é uma mudança cultural importante", afirma.

"Tem poucas províncias que eu ainda não fui. Eu fui muito no interior, capitais, cidade grande, cidade pequena... sempre observando muito", refere, salientando a "mudança de padrão de vida, de poder aquisitivo, de consumo".

Ao longo das várias estadias no país que, cumulativamente, perfazem um total de cerca de 3 anos, a evolução ao nível dos padrões de consumo e a construção de infraestruturas são outros dos fenômenos que merecem destaque.

"Quem vem aqui, fica num hotel, vai numa feira e volta, não tem noção do que é a China. Quando a gente viaja bastante, pega trem e, no trem, você vai passando, vai vendo os viadutos, as pontes, é muito impressionante", exclama.

Entre os vários âmbitos onde o Brasil e a China podem cooperar e aprender mutuamente, Milton Pomar remete para a conquista da China ao nível da erradicação da pobreza, um esforço que descreve como a "inclusão das pessoas na economia real".

"Eu fico impressionado como é que a mídia mundial faz como se isso não tivesse acontecido. Os dados estão aí, é banco mundial, é FMI, não é a mais a China falando... São instituições internacionais. São 800 milhões de pessoas e é como se fossem talvez 8 ou 10", sublinha.

No Brasil, entre várias atividades profissionais, o entrevistado ministra cursos e intervém na divulgação conteúdos, livros e palestras sobre a China, sendo que é na área cultural que "temos uma possibilidade muito grande, porque envolve juventude, envolve alegria, envolve a questão humana".

"Do ponto de vista cultural, eu sempre digo: 'A China é um outro planeta'. Você não pode se relacionar com a China sem estudar a China. Tem que estudar", afiança.

"De alguns anos para cá, na área acadêmica houve um boom. Muita gente estudando China. Eu mesmo tenho sido demandado... virou uma loucura. Tem cursos online sobre China com 2000 pessoas assistindo. É gratificante. Ao mesmo tempo, é muito significativo porque houve realmente um 'clique'", afirma, aludindo também aos esforços por parte dos Institutos Confúcio junto da sociedade brasileira.

O seu mais recente projeto, prestes a ser concluído é um livro de fotografia sobre a cultura chinesa – “Imagens da Cultura Chinesa”.

"A ideia é fazer uma espécie de guia, só que com fotos. Porque hoje as pessoas leem pouco. Principalmente para os jovens", diz, em tom bem humorado.

Uma versão em mandarim, sobre cultura brasileira, está também nos planos para o futuro.

O ano de 2024 corresponde ao 50º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas Brasil-China. Poucos dias antes desta entrevista, o vice-presidente do Brasil Geraldo Alckmin havia concluído com sucesso uma visita ao país.

Apesar de revelar alguma frustração relativamente ao ritmo com que a aproximação entre os dois países decorre, Milton Pomar revela esperança para o futuro. "Eu pelo menos estou tentando botar um tijolinho", aponta.

Por fim, instado a comentar a Iniciativa de Civilização Global proposta pelo presidente Xi Jinping em 2023, a qual defende o respeito pela diversidade das civilizações mundiais e a promoção do intercâmbio e da aprendizagem mútua, Pomar qualifica-a de algo "muito positivo, porque ele tem trabalhado numa questão de fundo importante, que é a questão ideológica".

"As pessoas começam a entender o seguinte: tem outros caminhos. Tem outras possibilidades. A China é um exemplo de que algumas coisas podem dar certo de maneira diferente".

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