Português>>Opinião

O Século 21 finalmente começou: a ‘Nova Era’ para a China e o mundo

Fonte: Diário do Povo Online    30.10.2017 08h38

Evandro Menezes de Carvalho

O discurso do Presidente Xi Jinping na abertura do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh) ecoou mundo afora. Ao anunciar a emergência de uma “Nova Era” em razão do “grande sucesso do socialismo com características chinesas”, Xi toma nas mãos a escrita da narrativa da história para este Século XXI. O Ocidente assistiu ao discurso com um misto de temor e admiração. 

Para Xi, reeleito Secretário-Geral do PCCh, esta Nova Era significa, em primeiro lugar, que “a nação chinesa, com uma postura totalmente nova, agora é alta e firme no Oriente”. A Era das humilhações a que foram submetidos os chineses no século XIX em decorrência das inúmeras invasões estrangeiras e das Guerras do Ópio, e a era das lutas internas para a consolidação da soberania do território e do povo chinês no século XX agora ficou para trás. A China do século XXI, em consequência do bem-sucedido processo de reforma e abertura, prepara-se para assumir o pódio da economia mundial. A China “levantou-se, cresceu e tornou-se forte; e agora abraça as brilhantes perspectivas de rejuvenescimento”, disse Xi evocando a inspiração que motiva o seu governo desde o primeiro dia de trabalho: a da realização do Sonho Chinês. Esta Nova Era, prenuncia ainda Xi, “vê a China se aproximando do centro do palco e fazendo maiores contribuições para a humanidade”. Nesta declaração, há a expressão da confiança chinesa em seu futuro e, ao mesmo tempo, a afirmação de seu compromisso com o futuro da humanidade. E, neste sentido, o discurso do Xi foi recebido mundialmente com admiração.

O governo está ciente de que esta Nova Era depende da realização das duas metas centenárias, sendo a primeira delas a construção de uma “sociedade moderadamente próspera”, em 2020, e um “grande país socialista moderno” em meados do século XXI. Diante das incertezas do cenário internacional e dos desafios da economia interna, as metas são ousadas. Porém, a vontade política dos líderes do Partido Comunista da China de vê-las realizadas parece ser ainda maior que os obstáculos. E há motivos para acreditar nisto. Atualmente, o PIB chinês é de 11.2 trilhões de dólares e o país contribui com mais de 30% do crescimento econômico global. O prognóstico é que a China se torne a primeira economia mundial por volta de 2025.

Por tudo isto, a imprensa internacional se rendeu à evidência de que, na atualidade, o homem mais influente do mundo não é o presidente dos EUA, mas o presidente da China. Contribui para isto, também, o estilo errático, narcísico e isolacionista do Donald Trump em comparação com o estilo discreto e confiável do Xi Jinping, reforçado pelo discurso da diplomacia chinesa em defesa do multilateralismo de “benefícios mútuos”. Sob a perspectiva ocidental, os sinais estão trocados. Enquanto os EUA se fecham para o mundo, a China se abre. Este fato, por si só, pode ser considerado a primeira prova de que estamos, de fato, diante de uma “nova era”.

Mas a declaração de maior impacto mundial dada pelo Presidente Xi foi aquela em que ele apresenta o socialismo com características chinesas como “uma nova trilha para outros países em desenvolvimento para alcançar a modernização”. E foi mais além ao oferecer a “sabedoria chinesa e uma abordagem chinesa para resolver os problemas que enfrenta a humanidade”. A China coloca-se para o mundo como uma alternativa a ser seguida em razão do seu modelo de governança e do patrimônio cultural e histórico que possui, mas com uma diferença fundamental no estilo de liderança se comparada aquele exercido pelas potências ocidentais: “(A China) oferece uma nova opção para outros países e nações que querem acelerar seu desenvolvimento, preservando sua independência”. Assim, a China compromete-se a respeitar as escolhas de cada Estado, isto é, promete não intervir nos assuntos internos de outros países.

Vale lembrar que nos anos 90 chegou-se a acreditar que o modelo das democracias ocidentais se espalharia pelo mundo como o único modelo digno de ser seguido com o fim da Guerra Fria. Mas os fatos subsequentes têm demonstrado que não foi a história que chegou ao seu fim, mas sim aquela narrativa. Larry Diamond, em artigo escrito para a Foreign Affairs sob o título “Democracia em declínio”, admite que “a própria democracia parece ter perdido o seu apelo. Muitas democracias emergentes não cumpriram as esperanças de seus cidadãos por liberdade, segurança e crescimento econômico, assim como as democracias estabelecidas no mundo, inclusive os Estados Unidos, cresceram cada vez mais disfuncionais”. As democracias ocidentais estão sofrendo um déficit de legitimidade e eficiência agravado pela crise econômica de 2008 que teve como epicentro os EUA. Desde então assistimos o aumento da pobreza, da violência, da intolerância religiosa e racial e da xenofobia.

A questão de fundo é saber quais dos modelos – se democracia ocidental ou socialismo com características chinesas – é capaz de oferecer aos cidadãos o bem-estar econômico e social que eles prometem. No início deste ano, a ONG Oxfam (Comitê de Oxford de Combate à Fome) publicou um relatório onde revela que oito pessoas detêm riqueza equivalente à de metade da população mais pobre do mundo, ou seja, 8 pessoas acumulam uma riqueza igual a de 3.6 bilhões de indivíduos. Seis daqueles indivíduos mais ricos do mundo são dos Estados Unidos, um é da Espanha e o outro é do México. No Brasil, seis brasileiros concentram riqueza equivalente a metade da população brasileira. O abismo social entre os super-ricos e as camadas mais pobres ameaça não só a estabilidade social do país marcado pela desigualdade, como também a própria paz mundial. As democracias que se abraçaram ao capitalismo desenfreado se afastaram da ideia do Estado de Bem-estar social. O problema, então, não seria a democracia em si, mas o divórcio entre ela e o capitalismo. Este é o problema central.

O Presidente Xi Jinping está ciente dos riscos para a China do aumento da desigualdade social. Não é por acaso que ele mesmo afirma que “a principal contradição que enfrenta a sociedade chinesa (...) é a contradição entre o desenvolvimento desequilibrado e inadequado e as necessidades cada vez maiores do povo para uma vida melhor”. O socialismo com características chinesas será posto à prova aí. Diferentemente do sonho americano orientado pelo individualismo excessivo, o sonho chinês é orientado, sobretudo, pelo interesse coletivo. A crítica dos capitalistas ao socialismo é que este modelo não estimula a inovação e a criatividade. E usam como exemplo o fracasso do modelo soviético. Mas o capitalismo atual é rentista e não se baseia tanto na produção. Além disso, a ideia de meritocracia, muito cara aos capitalistas, tem se tornado uma ilusão diante da transmissão hereditária da riqueza e dos ganhos muitas vezes obtidos por meios ilícitos. O combate à corrupção foi assumido como política de Estado na China. É condição para evitar a disfuncionalidade do sistema político e econômico chinês. Se o socialismo chinês conseguir que o indivíduo seja reconhecido e recompensado não mais pelo sucesso individual em detrimento dos outros, mas a favor dos outros, aí teremos entrado em uma Nova Era. Desenvolvimento verde, ético, colaborativo, compartilhado podem ser valores importantes desta nova era, independentemente de se estar em uma democracia no estilo ocidental ou não. Para tal projeto de sociedade vale a pena se engajar. Afinal, o mundo não pode ser de apenas 8 pessoas.

(O autor é o Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio)

0 comentários

  • Usuário:
  • Comentar: